MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) - O advogado inglês Thomas Goodhead é a face visível de 700 mil brasileiros vítimas do desastre ambiental de Mariana, quando uma barragem se rompeu e 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios de ferro se espalharam por Minas Gerais e pelo Espírito Santo.
A empresa responsável era a Samarco, uma joint venture entre as duas maiores mineradoras do mundo, a anglo-australiana BHP e a brasileira Vale. O desastre aconteceu em novembro de 2015.
Representando pessoas, empresas, municípios, estados e comunidades quilombolas e indígenas ?krenak, guarani, tupiniquim e pataxó? o escritório inglês Pogust Goodhead entrou com ação contra a BHP na Inglaterra em 2018 e pede indenização de US$ 44 bilhões, cerca de R$ 215 bilhões.
É mais que o dobro do valor de indenizações recentes de grandes empresas, como o escândalo do dieselgate da Volkswagem, de US$ 15 bilhões (R$ 73 bilhões) em 2016, ou o derramamento de óleo da BP Deepwater Horizon em 2015, de US$ 20,8 bilhões (R$ 100 bilhões).
Goodhead, no entanto, disse em entrevista à Folha na última quarta (5), que o valor dificilmente chegará a tanto. "É como qualquer negociação, certo? E uma negociação inevitavelmente leva duas partes para chegar a um valor acordado."
Em nota, a Vale afirmou que "se trata de questão discutida judicialmente e todos os esclarecimentos vêm sendo oportunamente apresentados no processo". Procurada, a BHP não respondeu à reportagem.
Nesta semana, o tribunal de Londres vai decidir se inclui a Vale no processo ou mantém apenas a BHP. Quinze indígenas, das quatro etnias, estarão presentes, fazendo manifestação em frente à corte.
"Acho todo esse momento do processo muito nojento, para ser honesto. Você sabe, ver duas maiores mineradoras do mundo lutando entre si no tribunal, em vez de se sentarem com as vítimas para resolver o caso. Acho um espetáculo terrível." Confira a seguir, a entrevista.
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P. - O caso de Mariana é o maior processo coletivo de todos os tempos ou apenas se considerarmos os desastres ambientais?
T.G. - É o maior de todos os tempos, pelo que tenho conhecimento, tanto pelo número de reclamantes quanto pelo valor.
P. - Vocês estão pedindo US$ 44 bilhões. Mas nesses casos o juiz não chega a um valor intermediário?
T.G. - Se formos para um julgamento, para uma audiência final, o juiz dirá se esse valor está correto ou não. Esse valor provavelmente ainda aumentará por causa dos juros de 12% ao ano. Mas sim, é claro, a BHP vai dizer que o valor é mais baixo.
P. - Quanto acha que esse valor pode ser no final?
T.G. - É impossível dizer no momento. Depende de quando. Mas as vítimas estão esperando há quase oito anos. Será o oitavo aniversário da tragédia em novembro. E ninguém quer ver isso continuar por mais dois, três anos. Eu falo com muitos de nossos clientes toda semana, prefeitos, vítimas individuais, pessoas que tinham negócios e eles estariam dispostos, tenho certeza, a reconhecer que talvez não seja tanto quanto pedimos, que pode haver alguma redução. É como qualquer negociação, certo? E uma negociação inevitavelmente leva duas partes para chegar a um valor acordado.
P. - Como esse dinheiro será dividido?
T.G. - Será dividido entre diferentes tipos de vítimas. Para os indivíduos, é em torno de 60% desse valor. Eles ficariam com cerca de US$ 26 bilhões (R$ 126 bilhões). Os municípios ficam com cerca de 20%, ou US$ 9 bilhões (R$ 44 bilhões). As empresas prejudicadas ficam com cerca de 10% desse valor, cerca de US$ 4,5 bilhões (R$ 22 bilhões), e outros 10% ficarão para as comunidades indígenas.
P. - Como calculou esses números?
T.G. - Coletamos dados de centenas de milhares de nossos clientes. Mais de meio milhão de nossos clientes nos forneceram informações completas sobre suas perdas, incluindo todos os municípios, todas as empresas de serviços públicos, a maioria das empresas. E então trabalhamos com a Kroll, umas das maiores empresas de contabilidade forense do mundo. Trabalhamos com especialistas da Universidade de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas e também consultamos valores da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Depois aplicamos juros de 12% que incidem sobre os danos. Então, cerca de metade do número, cerca de US$ 22 bilhões, são danos, cerca da outra metade são juros.
P. - E quanto, mais ou menos, um indivíduo vai coletar?
T.G. - É difícil dizer porque as perdas são completamente diferentes, certo? Alguns indivíduos perderam uma casa, outros perderam seus negócios, talvez um membro da família tenha morrido na catástrofe, enquanto outros talvez tenham apenas ficado sem água por um período de tempo. Mas, em média, se isso ajudar, estamos buscando cerca de US$ 25 mil dólares (R$ 121 mil), algo em torno disso.
P. - Quanto a BHP está disposta a pagar?
T.G. - No Brasil, eles pagaram muito pouco por meio da Renova, que é a fundação que criaram com a Vale e a Samarco. Darei um exemplo de alguém que não teve acesso à água por 19 dias. E eles estavam originalmente pagando R$ 1.000, mais ou menos US$ 200. Depois, houve algumas ordens judiciais que ordenavam pagamentos de cerca de US$ 7.000 (R$ 34 mil) por pessoa. Muito, muito, muito mais alto. Mas não é justo com as pessoas que pegaram os US$ 200, certo? De repente, algumas pessoas pegaram US$ 200 seis, sete anos atrás e então, há três anos, pessoas que esperaram mais receberam US$ 6.000 ou US$ 7.000. Não há igualdade nisso.
P. - Quanto seu escritório ganha? É uma porcentagem?
T.G. - Se fôssemos para um julgamento final, então a porcentagem poderia chegar, para os municípios, em torno de 20%. E, para pessoas físicas, pode chegar a 30%. Mas a maioria desses casos não vai a julgamento final, como aconteceu nos da Volkswagen, da BP Deepwater Horizon, da British Airways, todos os grandes casos em que estive envolvido. Assim, os honorários do escritório de advocacia são negociados com o réu. Então, as vítimas ficam com 100% de sua indenização e nosso escritório de advocacia negocia separadamente seus honorários. É isso que convidamos a BHP a fazer neste caso.
P. - Qual é o próximo passo no processo? Haverá uma audiência nos próximos dias, certo?
T.G. - Sim, nesta semana, nos dias 12 e 13 de julho, haverá uma audiência entre a BHP e a Vale. Eles estão lutando entre si no tribunal em Londres. A BHP tem falado "olha, se nós somos culpados, a Vale também é culpada, e a Vale deveria pagar 50% da conta". E a Vale diz que não quer ir ao tribunal na Inglaterra, dizendo que ali não é o lugar certo para ser determinada a responsabilidade.
P. - O que acha que vai acontecer?
T.G. - Os argumentos legais são muito equilibrados. Eu não poderia prever. Mas, para ser honesto, como advogados das vítimas nós não nos importamos. Não nos importamos se a BHP paga ou se Vale paga. Queremos justiça para as vítimas e que elas sejam pagas. Eu acho todo esse momento do processo muito nojento, para ser honesto. Você sabe, ver duas maiores mineradoras do mundo lutando entre si no tribunal, em vez de se sentarem com as vítimas para resolver o caso. Acho um espetáculo terrível.
P. - E quando acontecerá o julgamento final?
T.G. - O julgamento da inclusão ou não da Vale, achamos que provavelmente será em setembro deste ano. Mas o julgamento do caso em si, se o caso não for resolvido antes, será em outubro de 2024.
RAIO-X
Thomas Goodhead, 40
Advogado com 15 anos de atuação, graduado nas Universidades de Londres, Cambridge e Oxford. Em 2018, fundou o escritório Pogust Goodhead, especializado em ações coletivas em direito ambiental e direitos humanos contra grandes conglomerados em todo o mundo. Em janeiro de 2023, foi escolhido como um dos 100 Melhores Advogados do Reino Unido pela publicação especializada The Lawye.
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