SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Quando eu estou no quarto e eles vão quebrar as pedras, meu Deus do céu, parece que o prédio vai cair", conta a síndica Mailza Pereira Souza, 57, que vive há 24 anos em um dos apartamentos da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), no Jaraguá, zona norte de São Paulo.

Moradores da região convivem há décadas com tremores de terra, que ocorrem ao menos duas vezes por semana e são causados por explosões de rochas na pedreira pertencente à mineradora Riuma (antiga Iudice), situada em uma área de 1,2 km².

Enquanto a empresa especializada em produção e comercialização de pedras britadas existe na área desde 1961, os empreendimentos residenciais mais antigos foram construídos no final da década de 1990.

Segundo dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), foram registrados 102 denúncias, dois processos e um abaixo-assinado feitos por moradores da região contra a mineradora de 2003 a 2022. As reclamações citam incômodos com vibração, ruído, odor, poeira e fumaça advindos da pedreira.

A mineradora tem em seu entorno três conjuntos residenciais ?o da CDHU, do governo estadual, o City Jaraguá, da prefeitura, e o Certto Jaraguá, da iniciativa privada. Residentes deste último, inaugurado em 2015, relatam que não foram alertados sobre a presença da pedreira.

Os condôminos também reclamam do pó e do cheiro que vêm da produção de concreto pela EmpresasCity, que está ao lado da pedreira desde 2002 e tem em seu quadro societário administradores da Riuma.

Procuradas desde o último dia 3, por e-mail e por telefone, a EmpresasCity e a Riuma não responderam até a publicação da reportagem.

Um morador que não quis se identificar e vive há oito anos no condomínio diz ter descoberto os problemas uma semana depois de se mudar para o imóvel. Além de encontrar rachaduras, ele conta que costuma colocar toalhas molhadas nas janelas para amenizar a poeira e o odor.

"Já coloquei meu apartamento à venda, porque minha esposa tem problemas respiratórios e minha filha acabou de nascer. Elas estão sendo prejudicadas", conta.

Carlos Alberto Bardini, 56, mora há oito meses no condomínio e relata crises de tosse pelo contato com a poeira. "É muito pó branco. Se limpar a casa hoje, amanhã já está tudo sujo. É complicado para mim que tenho rinite alérgica", diz.

A Plano&Plano, responsável pelo condomínio, diz que obteve todas as autorizações para a construção dos apartamentos. A construtora ainda afirma que durante o lançamento dos imóveis os materiais promocionais continham a localização exata do empreendimento, para conhecimento dos clientes.

A Cetesb afirma que, desde quando começou a receber as denúncias, foram feitas medições de nível de pressão sonora, vibração e velocidade de vibração de partículas.

Em 2007, foi realizada uma avaliação fora da área da propriedade da mineradora e os valores estavam dentro do limite estabelecido. Em 2011, outra medição constatou que a velocidade de vibração de partículas e a pressão sonora causada pelo uso de explosivos estavam em ordem.

Nas avaliações feitas em 2009 e 2021 foi constatada a emissão de material particulado para a atmosfera, ocasionando inconvenientes ao bem-estar público. À época, a empresa Riuma recebeu autos de infração.

Lenis Aparecida da Silva, 56, moradora dos apartamentos do City Jaraguá, faz parte da comissão que coordena um dos prédios. Ela conta que, há mais de 15 anos, uma explosão fez uma rocha voar e bater na lateral de seu edifício, deixando uma marca que dura até hoje.

A Cetesb, por sua vez, afirma que as últimas reclamações sobre lançamento de rochas foram registradas na década de 1990.

Os prédios do Conjunto City Jaraguá foram inaugurados em 2003 pela Prefeitura de São Paulo a partir do Programa de Urbanização e Verticalização de Favelas (Prover, antigo Cingapura). Os apartamentos foram repassados para famílias de comunidades do distrito da Brasilândia (a 8 km dali).

À época, o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais e a Cetesb se manifestaram contrários à implantação do conjunto habitacional, porque "a grande proximidade com a mineradora impediria a adoção de medidas mitigadoras eficazes no que se refere ao controle de ruído, vibração e emissão de material particulado durante as operações de detonação de rocha".

A Engeform, responsável pela construção dos prédios no City Jaraguá, diz que executou e cumpriu com as determinações do contrato promovido pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e que todas as autorizações e regularizações do projeto eram de responsabilidade do órgão público contratante.

"A pedreira é uma coisa que prejudica muito, ainda mais com o barulho da sirene que toca geralmente às 11h30. Depois, estremece tudo. Até a cama da gente treme", diz Mailza, moradora da CDHU.

Os prédios da CDHU foram inaugurados em 1999. Os moradores foram alocados por meio de sorteios e negam que foram alertados sobre a presença da pedreira. Desde lá, acumulam-se reclamações, além do temor de que as estruturas dos prédios possam estar danificadas após tantos tremores.

De acordo com a companhia de habitação, a proximidade com a pedreira não afeta o empreendimento e o terreno foi liberado no ano de 1996 após receber Parecer Técnico de Viabilidade de Localização da Cetesb e outros documentos técnicos.

A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento diz que os três conjuntos residenciais estão situados em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). A gestão municipal afirma que, para a aprovação de um empreendimento, é verificado o uso do local e como ele atende aos parâmetros de uso e ocupação do solo.

Paula Santoro, professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP e coordenadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), explica que não há problema em ter ZEIS ao lado de uma mineradora, mas o órgão licenciador deveria ter analisado se as atividades poderiam conviver próximas uma da outra.

"O que precisava ser estudado quando foi licenciado é se a incomodidade gerada pela mineradora impossibilitaria o uso residencial vizinho. Ao menos no caso da CDHU e do City Jaraguá, os projetos foram propostos justamente pelo poder público."


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