CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - A Procuradoria do Trabalho de Cascavel instaurou nesta quinta-feira (27) um inquérito civil para apurar eventuais responsabilidades na explosão de armazéns de grãos da unidade em Palotina, no Paraná, da cooperativa C.Vale. A explosão, no final da tarde de quarta (26), deixou ao menos oito trabalhadores mortos, além de 11 feridos. Uma pessoa continua desaparecida.
Entre os oito mortos, sete são haitianos, que atuavam na cooperativa como trabalhadores avulsos. Eram chamados de "safristas", em função do vínculo com o período da safra de grãos. Além das circunstâncias do acidente, a investigação do MPT-PR (Ministério Público do Trabalho do Paraná) vai verificar se havia obediência às normas trabalhistas.
Os haitianos eram contratados pela cooperativa por meio do Sintomege, que é o Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral de Toledo. Nesta sexta-feira (28), a reportagem entrou em contato com o sindicato, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.
Procurada, a C.Vale disse à Folha de S.Paulo que as contratações de trabalhadores avulsos estão de acordo com a lei 12.023/2009 e que todos "passaram pelos treinamentos sobre os procedimentos obrigatórios de segurança e de operação".
No Paraná, a empresa já foi alvo de investigação do MPT por causa da morte de um trabalhador durante serviço no início de 2021. A vítima fazia limpeza de um silo com soja na unidade de Umuarama da cooperativa, a menos de 100 km de Palotina.
O acidente gerou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado entre o MPT e a C.Vale em março deste ano. Em uma das cláusulas, a cooperativa fica obrigada a pagar R$ 150 mil em indenização por danos morais coletivos.
A parcela está prevista para este mês de julho. O dinheiro deve ser destinado a "projetos sociais de interesse da coletividade local". A C.Vale disse que está cumprindo o TAC.
Outra cláusula determinava que a C.Vale ficava obrigada a "acompanhar e exigir a implementação das medidas de segurança e saúde dos trabalhadores do sindicato profissional contratado para as atividades de movimentação de mercadorias, provendo os meios e condições para que eles possam atuar em conformidade com a Norma Regulamentadora 33 do Ministério do Trabalho e Previdência Social".
A norma regulamentadora 33 rege as atividades em ambientes confinados, como o trabalho em armazéns de grãos, por exemplo.
Em nota nesta sexta, o MPT afirmou que, além de apurar as responsabilidades e adotar as providências cabíveis sobre o acidente em Palotina, também vai "determinar a correção do processo de trabalho, a fim de evitar futuros acidentes". "O MPT, a partir deste caso, iniciará esforço concentrado para a verificação da situação dos demais silos, desta e de outras empresas."
A deputada federal Carol Dartora (PT-PR) também disse nesta sexta que vai pedir para a Comissão de Migrações e Refugiados da Câmara uma visita técnica ao local da explosão. "População migrante no Paraná existe e está exposta em trabalho insalubres ou alta periculosidade."
O acidente em Palotina atingiu quatro silos, que armazenavam 12 mil toneladas de soja e 40 mil toneladas de milho. De acordo com equipes do Corpo de Bombeiros, as vítimas foram encontradas nos túneis subterrâneos ligados aos silos.
A Polícia Civil do Paraná instaurou um inquérito para apurar o caso logo após o acidente.
A C.Vale é uma cooperativa agroindustrial -produção de soja, milho, trigo, mandioca, leite, frango, peixe e suínos- com atuação no Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Paraguai.
As unidades da empresa no Brasil empregam 541 trabalhadores estrangeiros. Do total, segundo a cooperativa, há 303 haitianos como colaboradores efetivos. A maior parte dos trabalhadores do Haiti atua em frigoríficos de frangos.
Os sete haitianos e o único brasileiro entre os mortos em Palotina -Saulo da Rocha Batista, 54- foram velados e enterrados nesta sexta. As vítimas do Haiti são Reginald Gefrard, 30, Jean Ronald Calix, 27, Michelete Louis, 41, Jean Michele Joseph, 29, Eugênio Metelus, 53, Donald St Cyr, 27, e Alfred Lesperance, 44 anos.
Um trabalhador de origem haitiana segue desaparecido desde a explosão.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores disse que tomou conhecimento com pesar das explosões. "Ao transmitir sua solidariedade às famílias das vítimas, o governo brasileiro coloca-se à disposição das autoridades haitianas para prestar a assistência cabível, bem como para buscar e fornecer todas as informações relativas ao incidente", diz a pasta.
'BRASIL SE TORNOU O DESTINO POSSÍVEL'
O professor Lineker Nunes, que concluiu neste ano sua tese de doutorado pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) sobre a migração haitiana no Paraná e sua relação com o trabalho, explica que o Brasil se tornou o destino possível para haitianos, "e não o destino desejado, muitas das vezes".
"A maioria das pessoas associa a vinda dos haitianos apenas ao terremoto de 2010, mas também há um contexto econômico naquele ano favorável ao Brasil e as restrições para outros destinos, com o enrijecimento das fronteiras dos EUA e países europeus."
O pico deste fluxo migratório dos haitianos para o Brasil, segundo ele, ocorreu entre os anos de 2010 e 2017. "Hoje ele continua acontecendo, mas o fluxo principal atual é de venezuelanos", observou ele.
"Em 2010, o Brasil vivia o boom das comodities e os brasileiros estavam menos interessados em determinados trabalhos, como em frigoríficos e trabalhos correlatos. Então, a rede migratória começa com a presença dos haitianos no Norte do Brasil, mas houve representantes da agroindústria que alugaram ônibus para esses migrantes viajarem para o Sul do Brasil para trabalharem nestas atividades", disse o professor.
Segundo ele, atividades na agroindústria se tornaram "de inserção mais rápida" no mercado de trabalho, diante de dificuldades como língua e revalidação de diplomas.
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