SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cinco quilômetros separam o principal centro financeiro do país de uma das maiores favelas brasileiras, entre as zonas oeste e sul de São Paulo. É o abismo social, porém, o que realmente afasta a avenida Brigadeiro Faria Lima e o complexo Paraisópolis.
Apesar das distâncias, uma arrecadação bilionária para liberar novas construções no entorno da rica avenida paulistana é esperada por moradores que vivem em condições precárias na comunidade do outro lado do rio Pinheiros.
Aguarda votação definitiva na Câmara Municipal um projeto de lei da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que estende a Paraisópolis a Operação Urbana Faria Lima, projeto responsável por uma das principais transformações urbanísticas da história da cidade.
Investimentos em infraestrutura na área de operação Faria Lima são obtidos por meio de títulos públicos emitidos pela prefeitura e negociados no mercado financeiro. Esses instrumentos são identificados pela sigla Cepac (Certificado de Potencial Adicional de Construção).
Nas áreas de operações urbanas, as Cepacs substituem a outorga onerosa, taxa cobrada pela prefeitura para permitir construção superior à área do lote. Sem comprar os títulos, não é possível erguer ou ampliar prédios na região da Faria Lima.
O sistema de arrecadação financiou obras públicas que contribuíram significativamente para valorizar a região que atraiu escritórios de empresas como Google e Facebook.
Um leilão remanescente de Cepacs dessa operação é esperado para este semestre, caso seja autorizado pela Câmara.
Estima-se que 250 mil metros quadrados em construções ainda possam ser liberados. Isso corresponde a aproximadamente R$ 2,5 bilhões em arrecadação com a venda de certificados.
Para concluir as obras previstas no entorno da Faria Lima, é necessário cerca da metade desse valor. Por isso, a prefeitura propõe levar para obras de urbanização em Paraisópolis o excedente de mais de R$ 1 bilhão.
Dinheiro que moradores do complexo reivindicam que seja prioritariamente direcionado à entrega de 349 residências no conjunto habitacional Parque Sanfona, esperada pela população há quase uma década, e obras de saneamento do córrego Antonico, segundo o líder comunitário Valdemir José Trindade, mais conhecido como Guga Brown.
É pouco para resolver a situação de aproximadamente 8.000 famílias à espera de inclusão em programa habitacional e tantas outras prejudicadas pelas cheias do córrego, mas o investimento pode representar um avanço há muito esperado, diz Trindade.
"A urbanização está parada por aqui", afirma. "Tem família há 12 anos no auxílio aluguel sem saber qual o critério para ter direito a um apartamento."
Paraisópolis tem 100 mil pessoas majoritariamente acomodadas em habitações subnormais, informa a própria prefeitura ao justificar a destinação da verba para o complexo.
Aprovado na primeira discussão pelo plenário em fevereiro do ano passado e desde então aguardando a segunda e última votação, o projeto que destina a verba bilionária para Paraisópolis voltou ao foco no Legislativo durante a discussão da revisão do Plano Diretor, em junho deste ano.
A primeira versão do texto reformulado pelo Legislativo criava uma regra de transição para encerrar as operações urbanas.
A ideia era permitir o pagamento de outorga onerosa para liberação de potencial construtivo, em vez da compra de Cepac, quando a operação atingisse 90% da sua capacidade. A estimativa é que a da Faria Lima, a mais antiga vigente em São Paulo, esteja a cerca de 20% do esgotamento de áreas a serem edificadas.
A tentativa de alteração foi excluída do texto aprovado após receber críticas porque reduziria a possibilidade de arrecadação do município, prejudicando a destinação de recursos a Paraisópolis.
Devido à sua forma de emissão controlada, Cepacs tendem a ser escassas. É a disponibilidade limitada que a torna valorizada. Para proprietários de terrenos, o alto custo dos certificados joga contra. Quanto mais cara a taxa para construir, menor é o valor que as construtoras estão dispostas a pagar pelo lote.
Cálculos realizados com base no leilão mais recente, há cerca de quatro anos, apontam para um valor de aproximadamente R$ 17,5 mil por Cepac, cada qual equivalente a pouco mais de um metro quadrado de potencial construtivo. Essa é uma conta grosseira, alertam especialistas no caso da Faria Lima, pois o mecanismo utilizado nesta operação é sofisticado e há títulos para diferentes tipos de construções.
Considera-se, no entanto, que a Cepac na região seja cerca de dez vezes mais cara do que a outorga onerosa.
Representante da base governista, a vereadora Sandra Tadeu (União) foi a principal crítica da tentativa de alteração durante a discussão do Plano Diretor.
"A descaracterização das operações urbanas inviabilizaria o projeto que integra a área de Paraisópolis ao programa de obras da operação Faria Lima", disse a vereadora. "Paraisópolis deixaria de receber investimentos significativos em obras de urbanização, drenagem e equipamentos sociais", afirmou.
Presidente da Comissão de Urbanismo da Câmara, o vereador Rubinho Nunes (União) ainda defende a transição e tentará retomar essa questão a partir de agosto, após o recesso do Legislativo.
Ele afirma que a proposta será para o processo de transição, para finalizar operações urbanas em curso que atingirem 95% do objetivo.
A troca de Cepac por outorga, portanto, será proposta para quando restarem 5% de áreas edificáveis no território.
Além disso, essa taxa, mais barata, somente será considerada para terrenos com até 1.000 metros quadrados, segundo o vereador.
"É preciso criar regra para encerrar a operação urbana, que não pode ser infinita", diz Rubinho.
"Proprietários de terrenos menores não conseguem construir porque não há disponibilidade de Cepacs", afirma.
Rubinho diz que a arrecadação do próximo leilão de títulos da Faria Lima pode passar de R$ 3 bilhões e que, desta forma, Paraisópolis ainda receberia mais de R$ 1 bilhão, mesmo se a regra de transição for aprovada.
Sem entrar na discussão entre Cepac e outorga, a professora de urbanismo da USP Paula Santoro avalia que a operação Faria Lima deveria acabar.
Ela afirma que Paraisópolis merece todo o investimento possível em urbanização, mas critica o conceito de uma operação que fez investimentos para supervalorizar uma das regiões mais ricas de São Paulo, enquanto outras carecem de recursos.
"O que está acontecendo é que, em nome da habitação social, liberam mais incentivos para áreas onde o mercado imobiliário já tem interesse em construir", afirma a urbanista.
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