BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A decisão do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) de abandonar livros físicos para parte dos alunos da rede estadual de São Paulo não se alinha à tendência mundial e contraria estudos recentes. Mesmo países que contam com maior digitalização de conteúdos mantêm modelos híbridos e a Suécia, que havia avançado nesse sentido, anunciou recentemente que voltou atrás.
Um dos países com melhores resultados educacionais no mundo, a Suécia se amparou em resultados de pesquisas científicas e em resultados de seus alunos em avaliações internacionais para decidir retomar os livros didáticos em papel. O país vinha substituindo o papel gradualmente por materiais digitais ao longo dos últimos 15 anos.
A própria ministra das escolas da Suécia, Lotta Edholm, escreveu artigo, em dezembro, em um periódico sueco em que colecionou conclusões de prejuízos com a ausência dos livros físicos. Ela citou estudos reunidos pela agência nacional sueca para a educação.
Em maio, o plano foi oficializado e houve anúncio de um investimento no ano equivalente a R$ 315 milhões para a compra de livros didáticos em papel. Investimento similar será mantido em anos seguintes.
"Aqueles que leram o texto impresso foram mais capazes de reproduzir os pontos principais, lembraram-se de mais partes e apresentaram melhor compreensão geral da leitura", escreveu Edholm no "Expressen", em referência a um dos estudos.
A agência nacional sueca para a educação, ligada ao governo, relatou em artigo uma série de conclusões científicas que mostram que há melhor compreensão de leitura ao ler textos impressos. A entidade cita nove estudos que abordam o tema, de vários países como Estados Unidos e Espanha.
Um dos exemplos é um estudo de 2017 de pesquisadores da Universidade de Wurtzburgo, da Alemanha, com cerca de 3.000 alunos da 1ª à 6ª série. Eles fizeram um teste de leitura cronometrada, em papel ou em um computador.
"Os alunos que resolveram as tarefas na tela do computador trabalharam mais rápido, mas também em detrimento da precisão da leitura", diz o texto da autoridade sueca. "Os que leram na tela erraram mais ao responder a prova do que os que responderam em papel."
A decisão da Suécia levou em conta também os resultados do Pirls, avaliação internacional de leitura. Mesmo com resultados ainda positivos se comparados com outros países, inclusive da Europa, o governo sueco identificou uma "crise de leitura".
Em São Paulo, o secretário de Educação, Renato Feder, abriu mão de usar obras didáticas do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), como a Folha de S.Paulo revelou. O PNLD é um programa federal, liderado pelo MEC (Ministério da Educação), que compra e entrega obras para todo o país.
A decisão de Feder não foi precedida por qualquer estudo. Também não houve diálogo com professores e gestores, muito menos formação docente para o novo modelo.
Na Suécia, país altamente digitalizado, a discussão está centrada na redução do contato com telas. Em São Paulo, a experiência na pandemia mostrou que é baixa a conectividade dos estudantes, e Feder tem criticado a qualidades dos livros (muitos são usados por escolas privadas) e, ao jornal O Estado de S.Paulo, falou que o professor passará uma apresentação e os alunos, vão anotar.
A Folha de S.Paulo mostrou que, sem TV ou computador nas salas, professores têm que imprimir livro digital do governo de SP.
Um estudo recente da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) alertou para riscos do uso de celular em sala de aula e que são escassas evidências de impacto positivo da tecnologia digital na educação.
Não há nos relatórios periódicos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) informações de quais países adotam livros físicos ou digitais. Mas a experiência de especialistas com a educação internacional indica para um uso disseminado de obras físicas, mesmo com o avanço de materiais digitais.
O Instituto Reúna realizou pesquisas que abordam a experiência de 11 países que adotam livros didáticos digitais. O estudo foi motivado por evidências de que a grande maioria dos professores brasileiros tem no livro didático o principal recurso de trabalho.
A diretora executiva da entidade, Katia Smole, diz que a decisão do governo paulista "não é uma tendência" internacional. Segundo ela, foi possível identificar que o movimento desses países em ampliar a oferta de materiais não físicos começou com a própria evolução da digitalização governamental desses locais.
Ao analisar experiências como as da Coreia do Sul, Holanda e Estônia, o instituto identificou, segundo Smole, uma predominância de adoções graduais, com treinamento de professores, manutenção dos livros físicos (em modelos híbridos) e ampliação das opções digitais ?o que não significa colocar projeções de power point, como sugeriu Feder.
"Os professores têm toda uma formação para trabalhar com os estudantes nesse modelo híbrido e os resultados são avaliados permanentemente, para que editoras e edtechs que fornecem plataformas possam melhorar", diz Smole, que já foi secretária de Educação Básica do MEC.
Ela também ressalta que há necessidade de olhar para as evidências científicas que têm se acumulado e que mostram que os piores resultados são quando os alunos fazem tudo em tela.
O estudo do Instituto Reúna apresenta uma reflexão sobre as experiências internacionais, sem concluir que iniciativas nesse sentido sejam sempre desastrosas. O material pondera que, "para além de acesso à internet e aos dispositivos, é necessário que os currículos, os materiais didáticos, as formações de professores e as avaliações funcionem de maneira articulada e coerente na utilização dos livros didáticos digitais".
Katia Smole vai na mesma linha. "Não posso analisar a decisão em si, mas o que foi mostrado não veio acompanhado com um plano integral que apoie os próximos passos. E não estamos vendo o material didático digital no conceito que o mundo está usando", diz.
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