BELÉM, PA (FOLHAPRESS) - Ausente no texto dos chefes de Estado dos países amazônicos, o termo "combustíveis fósseis" foi um assunto onipresente ao longo dos Diálogos Amazônicos, que reuniu ONGs e movimentos socioambientais desde a última sexta-feira (4) em Belém (PA).

O evento acontece às vésperas da Cúpula da Amazônia, que começa nesta terça (8) na cidade. Os participantes pediram a proibição da exploração de petróleo na Amazônia.

A eclosão da pauta surpreendeu ambientalistas brasileiros. O assunto foi citado nas cinco plenárias do evento, todas com temas definidos pelo governo federal: proteção dos territórios, saúde, ciência e energia, bioeconomia e povos indígenas.

Ao organizar os dois eventos em sequência, o governo Lula (PT) propôs que os resultados discutidos pela sociedade civil nos Diálogos seriam sistematizados e levados à Cúpula, que reúne chefes de Estados dos países amazônicos para assinar a Declaração de Belém, uma carta política pela cooperação regional em segurança, clima e direitos humanos.

Conforme a Folha de S.Paulo antecipou, o documento não deve mencionar nenhum compromisso ligado à redução ou fim da exploração dos combustíveis fósseis (como carvão, petróleo e gás mineral), principais causadores das mudanças climáticas.

"A omissão lá inflamou a pauta aqui", avalia Marcelo Laterman, geógrafo e porta-voz de oceanos do Greenpeace Brasil. "Os Diálogos Amazônicos acenderam o sinal de que a luta não é só contra [a exploração petrolífera na] Foz do Amazonas, mas em toda a Amazônia", completa.

Para Laterman, os movimentos brasileiros têm a aprender com a resistência contra o petróleo na região. Isso porque a experiência brasileira tradicionalmente foca no combate ao desmatamento --que também marcou presença nas discussões ao longo dos Diálogos- enquanto os movimentos de países como Equador, Colômbia, Peru e Suriname têm luta histórica contra a exploração petrolífera em seus territórios.

Ao pedir o fim do petróleo na Amazônia, uma das preocupações levantadas pelos movimentos brasileiros é a possibilidade de um vazamento de óleo contaminar águas e terras internacionais. O cenário é especialmente sensível no caso da Margem Equatorial, próxima ao Suriname e à Guiana, onde a Petrobras pretende perfurar poços para pesquisa de petróleo.

O rascunho da Declaração de Belém não menciona esforços de cooperação dos governos no sentido de conter contaminações ou estabelecer salvaguardas ambientais para a exploração petrolífera.

No sábado (5), um protesto com faixas que pediam "Amazônia livre de petróleo" reuniu dezenas de pessoas em frente à sala na qual o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), conversava com jornalistas. Favorável à perfuração petrolífera na Foz do Amazonas, Barbalho acenou rapidamente ao grupo, virou-se de costas para deixar o lugar e foi seguido pelos manifestantes até a saída.

A cena, na avaliação de representantes da sociedade civil, ilustrou o incômodo com o modelo de participação social desenhado pelo governo para o evento: um espaço para o barulho dos movimentos socioambientais, às costas dos líderes políticos.

"Condensar a diversidade de falas dos Diálogos em um mote pode aumentar a chance da pauta da sociedade civil ser considerada pelos chefes de Estado", afirma Caetano Scannavino, coordenador da ONG Saúde e Alegria e representantes do FBOMS (Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais) na comissão-executiva de participação social da Cúpula da Amazônia.

Segundo ele, o fim do petróleo e do desmatamento na Amazônia poderiam ser um mote conjunto a ser levado aos líderes.

"Não evitaremos o ponto de não retorno da floresta amazônica se continuarmos emitindo gases-estufa com a queima de combustíveis fósseis. Os presidentes não podem separar o compromisso com a floresta daquele com a mitigação das mudanças climáticas", afirma.

Para a ministra Marina Silva (Meio Ambiente), a correlação entre as pautas deve ser trabalhada no espaço multilateral global -como nos encontros da ONU sobre o assunto.

"Mesmo que consigamos reduzir o desmatamento em 100%, se o mundo não parar com as emissões por combustível fóssil, vamos prejudicar a Amazônia de igual forma. Os presidentes têm essa clareza", afirmou a ministra em declaração à imprensa nesta segunda (7).

Além da crítica aos combustíveis fósseis, os movimentos da sociedade civil dos oito países amazônicos, reunidos pelo Fórum Social Pan-Amazônico (Fospa), a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) e a Assembleia Mundial pela Amazônia (AMA), propõem que os países se comprometam a evitar o ponto de não retorno da Amazônia e a garantir os direitos de defensores da floresta.

As duas propostas ganharam ressonância nas vozes da ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, e da ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara.

"É preciso proteger 80% da biodiversidade da Amazônia até 2025", afirmou Guajajara no encerramento do Diálogos Amazônicos, na noite do domingo (6). A ministra colombiana defendeu que a meta seja incorporada à Declaração de Belém.

O número corresponde à conservação necessária para evitar o ponto de não retorno, ou seja, o limiar de degradação a partir do qual a floresta não consegue se regenerar.

Embora a Declaração de Belém mencione quatro vezes o termo 'ponto de não retorno', o documento não traduz o objetivo em metas concretas sobre conservação e combate ao desmatamento, nem se compromete a mitigar as mudanças climáticas.


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