RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Caio, 13, estava em uma rua da Cidade de Deus, zona oeste do Rio de Janeiro, no início da madrugada de segunda-feira (7), quando ouviu tiros e correu para casa. Em outra parte da favela, no mesmo horário, seu amigo de escolinha de futebol, Thiago Menezes Flausino, 13, foi atingido por um tiro enquanto andava de motocicleta.
Thiaguinho, como era chamado por familiares e amigos, morreu no local, entre uma rua de entrada da Cidade de Deus e uma estrada movimentada de Jacarepaguá. Testemunhas afirmam que o disparo partiu de um policial militar.
Crianças e adolescentes da Cidade de Deus, desde a morte de Thiago, vivem com tensão e medo.
"Era meia-noite. A rua estava movimentada, tinha eventos, gente voltando para casa. Não tinha necessidade da polícia entrar naquela hora, daquele jeito", diz Caio, cujo nome real, assim como os dos outros jovens nesta reportagem, será preservado.
Como homenagem, o adolescente foi ao treino da escolinha vestido com uma camiseta estampada com uma fotografia de Thiago.
"Minha mãe não me deixava ficar na rua e eu questionava. Ela dizia que era perigoso. Eu não tinha medo de andar na rua, agora tenho. A polícia não quer mesmo saber."
Em nota oficial enviada à reportagem na última quinta-feira (10), a corporação diz que "dois homens em uma motocicleta atiraram" contra uma equipe que fazia policiamento. Os PMs revidaram e, após o confronto, "um adolescente foi encontrado atingido" e morreu ainda na rua. A corporação diz ainda que uma pistola 9 mm foi apreendida no local.
A Polícia Militar, no entanto, deu versões diferentes. Em publicação nas redes sociais, ainda na segunda, afirmou que "um criminoso ficou ferido ao entrar em confronto". Depois, o coronel Marco Andrade, porta-voz da corporação, disse em entrevista à TV Globo que a motocicleta fugiu de um cerco policial, os agentes deram ordem de parada e um dos ocupantes disparou, iniciando um confronto.
A PM apagou a publicação nas redes sociais em que criminalizava Thiago. A postagem foi retirada do ar após uma ação judicial da Defensoria Pública.
Caio e dezenas de outras crianças e adolescentes foram ao enterro, na terça-feira (8), com o uniforme dos Canelinhas, escolinha de futebol sediada na comunidade. A roupa azul e laranja do time, dizem os amigos, ganhava ainda mais cor quando vestida em Thiago.
Os amigos dizem que o adolescente era o mais comunicativo da turma. Gostava de brincar e provocar os colegas de escolinha, até mesmo os adultos. Os elogios aumentam quando o assunto era o futebol. Era apontado como um dos melhores da geração na comunidade.
"Era muito bom de bola. Drible, passe, tudo nele era bom", diz Felipe, 12, amigo de Thiago e zagueiro do time.
Calado, como é comum aos zagueiros, ele resume em três palavras a semana após a perda do amigo: "Me sinto triste."
A tristeza do filho de 9 anos da diarista Ivanete da Silva viralizou nas redes sociais. No enterro de Thiago, o menino ficou junto ao caixão e foi fotografado chorando, vestido com a camiseta da escolinha de futebol. "Meu filho está há três dias sem querer sair de casa, sem ir para a escola", diz Ivanete.
O clima é parecido na casa de Juliane da Silva, mãe de dois outros amigos do jovem morto na comunidade.
"De vez em quando, eles choram. Quando leem uma fake news nas redes sociais, mostram para mim, dizem que está errado, que o Thiago é inocente", diz Juliane.
Um dos filhos de Juliane, que tem a mesma idade de Thiago, passou mal durante o enterro.
"Ele tem um problema de saúde que ainda está sendo analisado, mas não pode passar por estresse, tristeza. A boca fica arroxeada, ele passa mal. Mexeu muito com a cabeça dele o fato de ele ter jogado bola com o Thiago no sábado, antevéspera da morte."
Fabio Ferreira, 46, fundou o Canelinhas há sete anos. Criado na Cidade de Deus, ele sentia medo de deixar o filho de 10 anos sair de casa para brincar.
"Era a saída da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), a comunidade vivia em confronto entre policiais e traficantes. Meu filho queria sair para brincar e falei: 'não vou deixar você sair de casa porque papai pode ficar sem você, no sábado te levo com seus colegas para jogar bola no campo'. No primeiro sábado, vieram sete crianças. Depois, 30. Hoje somos 150", diz Fabio.
Hoje, a escolinha possui auxílio de assistente social, educador físico, técnico de enfermagem e ajuda financeira de patrocinadores.
"Nós ajudamos a educar as crianças. Mas o Estado vem e, sem a menor compreensão, tira a vida de uma delas em 30 segundos, enquanto aqui no projeto alimentamos o sonho deles há anos", completa o líder do projeto.
No primeiro encontro do time sub-13 desde o enterro de Thiago, Fabio reuniu os alunos em roda e conversou durante alguns minutos sobre o episódio. Falou da violência nas favelas, da responsabilidade do Estado no caso e da importância de continuar seguindo o caminho dos estudos e do esporte.
Durante o treino, as rodas de conversa nos bancos de reserva eram sobre o amigo e a falta que ele faz.
Diego, 11, fala em "covardia", palavra repetida por outros colegas ao redor.
"Viram que era criança e mesmo assim atiraram. Poderiam ter abordado, ou apreendido a moto. É muita covardia chegar assim."
"Nos condomínios de ricos eles não fariam isso, na verdade não iam nem entrar", completa Matheus, 12. "Aqui é assim: a polícia pode entrar a qualquer momento."
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