SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) usaram bombas e balas de borracha para dispersar usuários de drogas da cracolândia que se instalaram nesta terça (15) na rua dos Gusmões com a avenida Rio Branco, no centro de São Paulo.
A reportagem presenciou quando um trio de guardas-civis usando capacetes desceu de um veículo parado na esquina da Gusmões com a rua Guaianases e correu em direção ao fluxo de usuários, atirando bombas e disparando tiros de bala de borracha.
Os usuários correram e se dispersaram por várias ruas de Santa Ifigênia e Campos Elíseos. Imediatamente surgiram no local diversas equipes da Polícia Militar e da Polícia Civil. Há, contudo, relatos de comércios arrombados e saqueados na região.
Por volta das 22h, a avenida Rio Branco foi interditada, no sentido bairro, da rua Aurora até a rua General Osório. O sentido centro segue normal.
A reportagem conversou com o major Rodrigo Vilardi, membro da SSP (Secretaria da Segurança Pública), que está no local, e ele disse que se trata de uma ação contra a perturbação de sossego.
O fluxo de usuários de drogas retornou ao local no início da noite desta terça, poucos dias depois da mudança da cracolândia para a rua dos Protestantes, na região da Santa Ifigênia, a cerca de quatro quarteirões de distância dali.
Durante a tarde, um grupo de lojistas montou um bloqueio na rua Santa Ifigênia para tentar impedir que os usuários de drogas voltassem a ocupar o trecho, sem sucesso. Um grupo menor permaneceu na rua dos Protestantes.
No bloqueio, os comerciantes usaram grades de proteção que já estavam na rua. Eles afirmaram que a ação buscava evitar que os dependentes afastem a clientela ao voltar a se aglomerar no local ?de onde saíram no último sábado (12) para seguir para a Protestantes, gerando protestos de moradores.
Tradicional ponto de comércio de produtos eletrônicos, a rua Santa Ifigênia fica a uma quadra da Gusmões, ponto onde os usuários voltaram a se concentrar.
Durante a ação, um comerciante sofreu um corte na cabeça após ser atingido por um caixote de madeira jogado por um dependente químico. O homem ferido não quis conversar com a reportagem.
"Tem um mês que não entra um cliente na loja. Estou desesperado, sem ter o que fazer. Estou quebrado. Minha moto está com sete parcelas atrasadas. Minha esposa pediu para comprar banana para meu filho de dois anos e não tenho dinheiro para comprar", relata Ede Carlos, 44, proprietário de um comércio na região.
Carlos, que atua na Santa Ifigênia há 30 anos, mostrou a tela de sua conta em um banco em que foi possível visualizar apenas R$ 6.
Um outro comerciante de 42 anos, que preferiu não se identificar, se queixou da ausência de policiamento. Ele, que trabalha na região há 15 anos, afirmou que os próprios comerciantes estão fazendo sua segurança.
Outro lojista disse que tem saudades da época em que a rua Santa Ifigênia era lotada de pessoas procurando por produtos.
Segundo os comerciantes, os usuários teriam dito que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) pediu para que eles deixassem a rua dos Protestantes e seguissem para a rua dos Gusmões com a avenida Rio Branco.
A prefeitura negou que tenha dado ordem para a mudança de local dos usuários. "Não há qualquer determinação para que usuários se transfiram de uma rua para outra. A Guarda Civil Metropolitana (GCM) acompanha à distância a movimentação de usuários a fim de evitar confronto e garantir a segurança de todas as pessoas que estão naquela região", diz a nota da gestão municipal.
Os comerciantes deixaram o cruzamento da Santa Ifigênia com a rua dos Gusmões por volta das 18h. Pouco depois, os usuários foram em direção ao novo ponto.
Equipes da Polícia Militar acompanhavam a distância movimentação dos usuários na noite desta terça, com viaturas na esquina da Rio branco com Gusmões e em outras vias próximas. Por volta das 21h, integrantes de ONGs distribuíram refeições aos dependentes químicos.
MORADORES FIZERAM PROTESTO NA VÉSPERA
A chegada de frequentadores da cracolândia à rua dos Protestantes já tem trazido transtornos para moradores do entorno, segundo relatos à reportagem.
Eles se queixam de barulho, sujeira, cheiro de plástico queimado e da feira da droga, onde os entorpecentes são anunciados em voz alta. Os vizinhos ainda reclamam de que seus filhos não podem olhar pela janela, sob ameaça de serem xingados pelos usuários.
Uma aposentada de 63 anos, que pediu para não ser identificada por temer represálias, relata que a mãe de 90 anos está sem dormir desde que a cracolândia se fixou no endereço. A mulher contou que a idosa passou por uma cirurgia recente no olho e precisa de repouso.
A aposentada participou na noite de segunda-feira (14) de uma manifestação contra a permanência da cracolândia no local.
O ato, que contou com cerca de 50 pessoas, bloqueou por cerca de uma hora a rua Mauá, em frente à Sala São Paulo. Policiais militares acompanharam o trajeto de cerca de 100 metros, entre a praça Júlio Prestes e a rua General Couto de Magalhães, onde existe um imóvel da Guarda Civil Metropolitana.
Um grupo de usuários de drogas da cracolândia chegou a querer discutir com os moradores quando eles passaram próximo à aglomeração. PMs rapidamente isolaram o cruzamento da rua Mauá com a rua dos Protestantes com escudos, e os dependentes se dispersaram.
A aposentada, assim como boa parte dos manifestantes, se queixa do barulho vindo da área em que estão os usuários, que escutam músicas em caixas de som portáteis durante todo o dia.
"Não adianta tirar da região dos Campos Elíseos e colocar no Bom Retiro. Do Bom Retiro para o Pari e do Pari para Santa Ifigênia. É necessária uma política que contemple os usuários e os moradores", diz o professor Philippe Reis, 33.
Vendo a chance de o bairro se tornar mais tranquilo quase acabar, o analista fiscal Carlos José, 40, diz que pensa e voltar para o interior do estado. "Penso em abandonar. É porque não tenho para onde ir. Eu não consigo trabalhar [em casa]."
A técnica de enfermagem Paloma da Silva, 35, que também estava presente ao ato, pede mais segurança e lembra que os moradores pagam IPTU. Para ela, é importante ter carros e equipes da Polícia Militar ou da Guarda Civil Metropolitana realizando a segurança do perímetro. Ela também questiona o motivo de o fluxo ter migrado para a rua dos Protestantes, local em que há imóveis residenciais.
Procurada na segunda-feira, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) declarou não ter havido operação para deslocamento dos usuários e que não há determinação para essa mudança.
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi questionada através da SSP (Secretaria de Segurança Pública) sobre a transferência de local, mas não se pronunciou.
O protesto de segunda-feira foi o terceiro nos últimos dias a cobrar uma solução para o problema da cracolândia.
Na noite de sexta-feira (11) moradores de um condomínio no entorno da praça Júlio Prestes chegaram a bloquear a passagem de veículos no cruzamento das avenidas Duque de Caxias e Rio Branco assustados com a possível transferência do fluxo para a alameda Dino Bueno.
Um dia antes, comerciantes da rua Santa Ifigênia realizaram um protesto em que fecharam as portas de suas lojas por algumas horas cobrando uma solução do poder público para o problema.
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