SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Ficar ao ar livre usando camisas de manga curta não é exatamente o que se espera de uma jornada rumo às vizinhanças do polo Norte, mas foi o que acabou acontecendo, em alguns momentos, com a primeira expedição oficial de pesquisadores brasileiros ao Ártico.

As condições muito mais amenas do que o esperado atrapalharam a coleta de amostras do grupo --e são mais um indício das transformações profundas trazidas pela emergência climática ao arquipélago norueguês de Svalbard (palco da expedição) e à região ártica como um todo.

"Conversando com os moradores da vila de Longyearbyen, onde nós ficamos, eles confirmaram que essas condições estão se tornando cada vez mais comuns", conta Paulo Câmara, pesquisador da UnB (Universidade de Brasília) e integrante do grupo brasileiro que passou nove dias em Svalbard durante o último mês de julho.

A equipe inclui ainda pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e da Universidade Católica de Brasília.

Segundo Micheline Carvalho Silva, colega de Câmara na UnB e na expedição, o cenário atual mostrou um grande contraste com o aspecto do arquipélago em 2016, quando ela esteve ali pela primeira vez -- mesmo considerando que, em ambas as vezes, a visita ocorreu durante o verão do Ártico.

"As montanhas estavam com muito menos gelo do que da primeira vez. Antes, os sapatos que a gente usava ficavam molhados o tempo todo, enquanto desta vez o clima estava superseco", compara. "Em 2016 choveu todos os dias; desta vez, nada de chuva", complementa Câmara. "As temperaturas chegavam aos 10°C, e isso a 800 milhas [1.280 km] do polo Norte."

A equipe brasileira, que recebeu apoio logístico das Forças Armadas e inclui especialistas em vegetais, fungos e biologia molecular, tinha entre seus objetivos investigar as conexões de longa distância entre a biodiversidade do Ártico e da Antártida (região na qual a pesquisa nacional já tem uma tradição de décadas).

O calor inesperado atrapalhou esse objetivo ao dificultar o acesso dos cientistas às geleiras de Svalbard, que recuaram bastante por conta das temperaturas relativamente elevadas.

"A nossa ideia era obter amostras desse gelo para sequenciar [grosso modo, fazer a leitura do DNA] o material genético dos organismos que estão presentes nesse gelo", explica Carvalho Silva. No entanto, essa abordagem, conhecida como metagenômica, terá de ficar para uma próxima oportunidade.

"Estamos pensando em voltar em fevereiro. É o fim do inverno, o que facilita o acesso às condições típicas do Ártico. Não adiantaria ir no auge do inverno porque não há luz natural e ocorrem nevascas, entre outros problemas logísticos", explica ela.

"A geleira onde queríamos chegar, e que estava muito mais longe do que o esperado, está recuando dez metros por ano", destaca Câmara.

Carvalho Silva diz que também chama a atenção a intensificação do turismo na região, com a chegada frequente de navios carregando milhares de passageiros --e os impactos ambientais que isso pode acabar trazendo.


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