SÃO PAULO E CAMPINAS, SP (FOLHAPRESS) - Quase três quartos (72%) dos brasileiros se dizem contrários à legalização da maconha para uso geral, incluído o recreativo. Parece haver aí uma mudança significativa em relação a outra pesquisa Datafolha, de 2018, quando 66% declararam que fumar maconha deveria continuar proibido.

O instituto entrevistou desta vez 2.016 maiores de 16 anos, nos dias 12 e 13 de setembro, em 139 municípios de todo o Brasil. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

As formulações das perguntas são diferentes, o que dificulta comparação direta para concluir, com segurança, que aumentou a parcela da população refratária à legalização. "Fumar", afinal, poderia ser interpretado como descriminalização só do porte e não da venda da cânabis.

A legalização do emprego da maconha como remédio, de resto, conta com amplo apoio dos entrevistados: 76% são a favor, e 22% contra. Há 1% de indiferentes e 2% sem opinião (a soma de percentuais ultrapassa cem, em certos casos, por força de arredondamentos).

Mero 1% da população amostrada pelo Datafolha afirma estar usando no momento algum medicamento à base de cânabis, e 2% já o fizeram. Ou seja, 97% nunca recorreram a preparados com canabidiol (CBD), tetra-hidrocanabinol (THC) e outros componentes da planta psicoativa, que vêm sendo receitados para condições como certos tipos de epilepsia.

Apesar disso, é alto o grau de informação relatado a respeito da maconha medicinal. Um total de 85% declarou ter certo conhecimento sobre o assunto, com 32% dizendo estar bem informados, 42% mais ou menos e 11% mal informados. Outros 13% afirmaram desconhecer o tema completamente, e 2% preferiram não opinar.

Em coerência com o elevado apoio à maconha medicinal, 2 de 3 brasileiros (67%) defendem autorizar o plantio de cânabis para produzir remédios no Brasil. Embora esses medicamentos já estejam à venda por aqui, depois de licenciados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a partir de 2015, o cultivo para obter matéria-prima de uso farmacológico segue proibido por lei.

Existem apenas decisões judiciais, algumas delas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), autorizando o plantio. As contempladas são em geral associações de pacientes e familiares, que ganham processos movidos com base no direito constitucional à saúde.

O projeto de lei 399/2015, que prevê cultivo de maconha para fins medicinais, foi aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados em 2021. Desde então está parado, aguardando deliberação de outras cinco comissões.

O Datafolha perguntou, em relação mais direta com o uso recreativo, se os entrevistados eram a favor ou contra descriminalizar o porte de pequenas quantidades de maconha. Ou seja, deixar de tratar como delitos e de aplicar penas a quem é flagrado com volumes para consumo pessoal.

Hoje a lei não fixa critério quantitativo para isso, e, como resultado, magistrados terminam condenando vários usuários à prisão como traficantes. De 2005 a 2022, aumentou de 14% para 30% a proporção de encarcerados por tráfico.

Informados de que o Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando um caso que pode descriminalizar a posse de pequenas quantidades de maconha, 61% disseram ao Datafolha ser contrários a deixar de considerar o porte como crime. Só 36% apoiam a proposta, que contava cinco votos favoráveis de ministros quando o julgamento foi paralisado há um mês.

Só os brasileiros mais ricos, com renda superior a dez salários mínimos, apoiam majoritariamente (55%) a descriminalização da posse. Outro contingente que chega perto disso são os jovens de 16 a 24 anos, com 50%.

Entre os que têm renda menor que dois salários mínimos, menos de um terço (32%) se declara a favor da descriminalização. Entre evangélicos, a parcela é menor ainda: 27%.

A fronteira divisória, aí, é claramente moral, ou ideológica. Dos entrevistados que declararam voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 45% se disseram a favor de descriminalizar pequenas quantidades, contra 23% entre os que votaram em Jair Bolsonaro (PL); os contrários a isso são, respectivamente, 52% e 75% ?maioria contra a descriminalização, nos dois casos.

Essas convicções na opinião pública no Brasil contrastam com as observadas nos EUA, país em que 23 estados e a capital (Washington, D.C.) regulamentaram o consumo adulto de maconha, e 38, o uso medicinal. Lá, 59% da população apoia que a maconha seja legalizada tanto para fins recreativos quanto medicinais, segundo pesquisa Pew de 2022.

Outros 30% de americanos admitem a cânabis regulamentada apenas como remédio. Vale dizer, há ampla maioria (89%) a favor de algum tipo de legalização. A inversão nas opiniões se deu em 2013, quando o contingente favorável à legalização do uso recreativo alcançou 52% (em 1969, um ano antes de Richard Nixon declarar Guerra às Drogas, eram 12%).

No presente, nada menos que metade da população americana adulta diz já ter experimentado maconha, segundo o agregador de pesquisas Gallup (em 1970 só 4% admitiam isso). Destes, 17% se declaram fumantes atuais de cânabis.

No Brasil de hoje, segundo a presente pesquisa Datafolha, 22% dizem já ter fumado maconha alguma vez na vida. Outros 5% declaram fumar atualmente.

O dado sobre aqueles que já experimentaram maconha em algum momento é superior ao apurado em outras pesquisas nacionais. O 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas de 2012, por exemplo, apontou prevalência de 6,8% entre adultos.

Já o 1º Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, de 2010, apontou 26,1%. Estudantes de universidades compõem um contingente mais jovem, de renda mais alta que a média da população, e são mais inclinados à experimentação com maconha e outras drogas.

Como nos Estados Unidos, a atitude refratária de brasileiros à descriminalização do porte pessoal (61% contra) e à legalização do uso adulto (72%) pode arrefecer conforme se liberalizam as normas draconianas. O impulso de mudança poderia vir, aqui como lá, da receptividade para a maconha medicinal.

Não apenas há 76% de brasileiros declarando posição favorável à cânabis medicinal como parcela significativa dos entrevistados admite tratar-se ou ter se tratado com ela (o que abrange hoje só 3% dos entrevistados). Somam 81% os que aceitariam a indicação por um médico de confiança, contra 14% que recusariam.

Falta um voto no Supremo para essas barreiras começarem a cair. Parece improvável que todos os ministros remanescentes terminem votando a questão de olho no passado e na parcela mais conservadora do eleitorado.


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