“A celebração de São Cosme e São Damião tem um apelo muito popular. As pessoas se identificam muito com eles. [O culto] veio com os portugueses e foi tomando proporções cada vez maiores”, afirma o padre Walther Almeida Peixoto, pároco da igreja do Andaraí.
O culto aos santos teria chegado ao Brasil na década de 1530, com o donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho. Ao aportar no Brasil e depois de lutar contra os indígenas caetés, o donatário fundou uma cidade em Igarassu e erigiu ali uma igreja dedicada aos gêmeos, que é hoje considerada a mais antiga do país.
Vários milagres são atribuídos aos santos, entre eles um ocorrido em Igarassu, que foi poupado de uma epidemia de febre amarela, que assolou as cidades de Olinda e Recife em 1685, supostamente pela intervenção dos irmãos.
Com o tempo, a devoção aos santos foi ganhando outra dimensão. Além da celebração oficial, por meio de missas e procissões em homenagem aos santos, há o costume de se distribuir doces para as crianças.
Quem faz a distribuição quer demonstrar sua devoção aos santos, mas também quer pedir proteção e agradecer por graças obtidas por meio da intervenção de Cosme e Damião.
Sincretismo religioso
Há, no culto aos gêmeos, o impacto do sincretismo religioso do cristianismo com religiões de matriz africana. Com a proibição aos seus cultos ancestrais, os africanos trazidos à força, como escravos, para o Brasil e seus descendentes, passaram a associar seus orixás a santos cristãos, como uma forma de manter suas crenças e tradições. No caso de São Cosme e São Damião, foi feita uma associação aos gêmeos Ibejis, orixás crianças.
“Cosme e Damião é uma data da igreja católica, mas as religiões de matriz africana fazem um diálogo com essa data. Isso tem a ver com o que chamamos de festa de erê, uma entidade que se manifesta em forma infantil, ou festa da ibejada. Na tradição iorubá, isso tem a ver com a importância dos gêmeos. No caso da Bahia, se faz o caruru de Cosme e Damião. No Rio de Janeiro, se faz distribuição de doces”, explica o professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e babalaô (sacerdote) Ivanir dos Santos. “Festejar a criança, o erê, a ibejada, é festejar a alegria”.
Proteção ao caçula
A empresária Ana Christina Tavares dos Santos começou a distribuir doces há cerca de dez anos. Na época, a ideia era pedir proteção ao filho caçula, que buscava uma carreira no futebol.
“Além de pedir aos meus orixás Oxum e Ogum para guardá-lo e protegê-lo, também pedia aos Ibejis para proteger a integridade física dele e dar a alegria e ousadia dos erês”, conta a empresária.
Não se sabe que papel os doces de São Cosme e São Damião tiveram nessa história, mas o fato é que a carreira do filho de Ana Christina decolou. Depois de uma passagem pelo Vasco da Gama, Paulinho foi contratado pelo Bayer Leverkusen, da Alemanha, e chegou à seleção brasileira, por quem conquistou uma medalha de ouro, nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021.
Passadas cinco temporadas na Alemanha, Paulinho está de volta ao Brasil e, hoje com 23 anos, joga pelo Atlético Mineiro. Está na terceira posição na artilharia do Campeonato Brasileiro, com dez gols na competição. E Ana Christina continua distribuindo seus doces, mesmo quando não está no Rio, com a ajuda da filha, irmã e sobrinha.
“Hoje ele é um homem de 23 anos, mas continua sendo meu filho, meu caçula, e sempre peço proteção pela integridade física dele. E que os erês mantenham a ousadia e alegria nos pés dele”.
Em 1969, a data oficial de São Cosme e São Damião foi mudada para 26 de setembro para que não coincidisse com as celebrações a São Vicente de Paulo, no dia 27. Mas, para a população, o dia 27 continua sendo a data a ser celebrada, com distribuição de doces em vários pontos da cidade do Rio de Janeiro, como o Largo da Prainha, na chamada região chamada de Pequena África.
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