SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sete em cada dez escolas de São Paulo estão cercadas por lanchonetes e vendedores de comida ultraprocessada, os chamados "pântanos alimentares", o que, segundo especialistas, aumenta os riscos de obesidade entre crianças e adolescentes.
De acordo com estudo publicado no dia 9 deste mês, no periódico Cadernos de Saúde Pública, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz, os colégios, tanto particulares quanto públicos, estão rodeados por esses estabelecimentos num raio de 250 metros.
No âmbito nacional, os dados apontam para a mesma direção. O projeto Caeb (Comercialização de Alimentos em Escolas Brasileiras), da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), realizou um levantamento com 891 escolas privadas de oito cidades brasileiras para avaliar a alimentação oferecida nesses espaços. A pesquisa de campo ainda está em andamento, mas a Folha obteve acesso a dados preliminares.
A análise mostrou que o índice de saudabilidade das cantinas é de 26,5. O indicador é usado pelos pesquisadores para dimensionar a oferta de alimentos in natura ou minimamente processados em relação aos ultraprocessados. Especialistas avaliam que a pontuação ideal deve ser em torno de 70.
Relatórios como o Erica (Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes) e a Pense (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar) já listaram hipertensão, obesidade e hipercolesterolemia (colesterol elevado) como possíveis consequências da oferta de cardápios de baixa qualidade nutricional nesses ambientes.
Preocupada com esse contexto, a nutricionista Juliana Abrahão achou uma alternativa no empreendedorismo. Em 2013, criou a Bem Nutrido, focada na entrega de alimentos saudáveis para colégios.
O cardápio inclui mais de 40 produtos diferentes, com preparações próprias e sem aditivos. Hoje, a empresa atende sete escolas de Minas Gerais.
"Não adianta a gente entrar em uma escola que não abraça a causa. Isso talvez seja um dos maiores desafios: a escola querer e apoiar essa causa."
Juliana vende para as particulares, que são as mais vulneráveis. Isso porque não estão sujeitas ao Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar), voltado às escolas públicas. A iniciativa proíbe, por exemplo, a oferta de ultraprocessados para crianças de até três anos.
Provenientes do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), os recursos do programa devem ser aplicados segundo algumas regras. Entre elas, está a destinação mínima de 75% à aquisição de alimentos in natura ou minimamente processados. No máximo 20% dos recursos podem ser destinados aos ultraprocessados. As regras também incentivam a compra de produtos da agricultura familiar.
Já nas privadas, a oferta de um cardápio balanceado depende da disposição do gestor e do proprietário da cantina quando não há uma regulação.
"Os estudantes estão ali durante boa parte do seu tempo e consomem as refeições que são servidas dentro daquele ambiente", diz a pesquisadora Camila Borges, do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) da USP.
Estudo publicado em 2016 na revista Preventive Medicine analisou o impacto do Pnae. A pesquisa constatou menor consumo de açúcar, bebidas açucaradas, alimentos processados e ultraprocessados entre estudantes de escolas públicas em comparação com as particulares.
"Verificamos um cenário promotor de saúde nas escolas públicas e um cenário de um ambiente alimentar obesogênico nas escolas privadas", diz Larissa Loures, professora de nutrição da UFMG e idealizadora do Caeb.
Ainda assim, especialistas apontam problemas, já que a alimentação em uma parcela das públicas também é financiada por recursos estaduais e municipais. Assim, elas não estão sujeitas às restrições impostas pelo Pnae.
O contexto reforça a necessidade de medidas regulatórias, segundo Raphael Barreto, gerente de obesidade do Instituto Desiderata, do Rio de Janeiro. Ele cita uma lei municipal, aprovada em julho deste ano, que proíbe a venda de ultraprocessados em escolas públicas e privadas da capital fluminense.
"Quando essas mudanças acontecem na escola, elas não beneficiam só a criança e o adolescente. Isso repercute na família dela e dissemina para fora dos muros da escola. É importante para uma mudança de cultura alimentar", diz Barreto.
Mesmo assim, acrescenta, "muitas escolas sofrem com a readequação, que requer um investimento". Além disso, há o lobby da indústria de alimentos, que emplacou mudanças no texto original, como a exclusão de um artigo que obrigava a retirada desse tipo de alimento do alcance visual de crianças em supermercados.
A nutricionista Najla Cardozo, que pesquisa o ambiente alimentar escola em Araraquara, no interior de São Paulo, reforça a importância da educação.
A prefeitura compra predominantemente alimentos saudáveis, mas a especialista enxerga resistência das famílias. "O nosso problema é a falta de aceitação das crianças. O ambiente alimentar familiar não traz os mesmos alimentos da escola. Por exemplo, muitas deixam de comer maçã porque não conhecem."
Esta reportagem foi produzida durante o 8º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que conta com o apoio do Instituto Serrapilheira, do Laboratório Roche e da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein
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