ITAITUBA, PA (FOLHAPRESS) - Após a Hyundai anunciar a suspensão de vendas de escavadeiras hidráulicas em regiões com alta incidência de garimpos ilegais na Amazônia, uma revendedora da marca mudou de endereço na rodovia Transamazônica, em Itaituba (PA), e segue comercializando máquinas. A loja, inclusive, diz aos clientes que continua atendendo a demandas de garimpos na região.
A reportagem da Folha de S.Paulo esteve no antigo e no novo endereço da BMG Comércio de Máquinas em Itaituba. A empresa tem sede em São Paulo e filiais em Itaituba, Jacareacanga (PA), Ourilândia do Norte (PA) e Boa Vista (RR), conforme informado em seu site.
Na cidade paraense cortada pela BR-230, a Transamazônica, a empresa deixou o galpão que ocupava em uma das margens da rodovia e se mudou para um espaço menor a pouco mais de 500 metros, na mesma rodovia. A companhia diz que as vendas são de produtos que já estavam em estoque.
Escavadeiras não são expostas, apenas tratores agrícolas. Dentro, uma sala é reservada para o atendimento a clientes interessados na compra de escavadeiras para garimpos. Funcionários fazem o orçamento e dizem que o maquinário pode ser levado da matriz em São Paulo à região amazônica.
A Hyundai anunciou a rescisão do contrato com a BMG em 28 de abril, em reação à divulgação de um relatório do Greenpeace com levantamento de escavadeiras hidráulicas nas terras indígenas brasileiras mais impactadas pelo garimpo ilegal de ouro.
A ONG fez sobrevoos de 2021 a março de 2023 e registrou a existência de 176 escavadeiras hidráulicas operando ilegalmente na exploração de ouro nas terras indígenas Yanomami, em Roraima, e Mundurucu e Kayapó, no Pará. São os territórios com maiores áreas de garimpos no país.
O mapeamento identificou quem são os fabricantes do maquinário pesado. Uma única máquina tem capacidade de executar em 24 horas uma escavação que três homens levariam 40 dias para concluir.
Das 176 escavadeiras detectadas, 75 (42,6%) foram fabricadas pela Hyundai HCE Brasil, segundo o Greenpeace. A Hyundai é sul-coreana e tem uma fábrica de equipamentos pesados em Itatiaia (RJ).
Em um comunicado após a divulgação do levantamento, a fabricante afirmou que "a destruição do meio ambiente amazônico e a violação de terras indígenas decorrentes da mineração ilegal são problemas sérios".
A empresa prometeu aprimorar o processo de vendas para evitar o uso ilegal de escavadeiras. Até que medidas surtam efeitos, as vendas de máquinas e peças ficam suspensas a clientes suspeitos de atividades ilegais, conforme o comunicado. Além disso, a Hyundai comunicou "imediata rescisão de contrato com a empresa BMG que atuava na região amazônica".
A BMG tem representação em Itaituba e Jacareacanga, as cidades mais próximas da Terra Indígena Mundurucu; em Ourilândia do Norte, município próximo de aldeias da Terra Indígena Kayapó; e em Boa Vista, base de operadores da logística do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
Existe um corredor de exploração ilegal de ouro na região do rio Tapajós onde estão Itaituba e Jacareacanga. Os municípios se beneficiam desse mercado clandestino.
Além da terra Mundurucu, há garimpos em unidades de conservação vizinhas, como APA do Tapajós, Floresta Nacional do Amaná, Floresta Nacional do Crepori e Parque Nacional do Rio Novo. Essas unidades são as mais impactadas por garimpos no país.
À Folha de S.Paulo, o diretor de operações da BMG Máquinas, Denis Batista, disse que as vendas se referem a máquinas que já estavam no estoque.
"Eu tenho algum maquinário, sim. Devo ter umas cinco máquinas, que já estavam no estoque", afirmou. "Não vou desfazer das máquinas por conta disso. Tenho de vender as máquinas."
Segundo ele, não há nenhuma relação dos negócios com o garimpo ilegal. "Nunca as máquinas foram vendidas para garimpo ilegal, e nem para pessoas que atuam em terras indígenas. A BMG não é a vendedora exclusiva do estado. Se tem outros vendedores vendendo máquina da Hyundai, não é do meu conhecimento."
A reportagem enviou questionamentos à Hyundai HCE Brasil pelo canal disponível e não houve respostas.
Em 7 de outubro, reportagem publicada pela Folha de S.Paulo mostrou as consequências do avanço de garimpos ilegais na terra Mundurucu, a partir da entrada de escavadeiras hidráulicas.
A exploração ilegal do ouro desorganiza as comunidades, gera conflitos internos, engole roças das aldeias, enlameia os rios, despeja mercúrio na água e adoece os indígenas, com avanço de malária e diarreia.
Crianças têm problemas neurológicos e atraso de desenvolvimento, um quadro que pode estar associado à contaminação das mães por mercúrio e que precisa de investigação, segundo profissionais de saúde que acompanham a situação dos mundurukus.
A reportagem foi o segundo capítulo da série "Cerco às Aldeias", que mostra a infestação de garimpos até o quintal das comunidades.
O primeiro capítulo mostrou a realidade da terra Kayapó, o território mais devastado pela exploração ilegal de ouro no país. Crateras cercam as aldeias, há conivência por parte de grupos de indígenas e cobrança de taxa para ingresso de escavadeiras. Lideranças de aldeias tentam alternativas à atividade predatória, como o crédito de carbono.
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