RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A crise na segurança pública no Rio de Janeiro, que mobiliza esforços do governo federal, ocorre num período em que os principais índices criminais do estado apresentam números nos patamares mais baixos da série histórica.

A taxa de homicídios do ano passado, de 17,4 vítimas por 100 mil habitantes, é a menor desde 1991, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), órgão vinculado ao governo estadual. O mesmo ocorre com a taxa de letalidade violenta (25,5), que inclui as mortes provocadas por policiais.

O conflito na zona oeste da capital fluminense este ano fez com que o número de homicídios, até setembro, aumentasse em 9,3% em relação ao mesmo período do ano passado. A taxa anualizada a partir da média mensal, porém, fica em patamares menores dos apresentados até 2020.

A gestão Cláudio Castro (PL) atribui a queda nas estatísticas a investimentos realizados na segurança pública e "o trabalho integrado das polícias Civil e Militar". Para especialistas, contudo, a aparente contradição se deve à forte influência que os confrontos entre criminosos têm sobre alguns índices criminais, como homicídios. O fortalecimento de uma facção criminosa ou aliança entre elas reduz o número de vítimas.

"Esses homicídios não estão distribuídos homogeneamente pela região metropolitana do Rio. Estão muito concentrados na zona oeste e em alguns municípios da Baixada Fluminense. Não é possível dizer que é uma relação de causa e efeito, mas me parece um indício, pelos locais de concentração dos homicídios, que isso está relacionado aos conflitos de disputa territorial", afirma o sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos, da UFF.

Na zona oeste, onde grupos criminosos se enfrentam, houve nos primeiros nove meses deste ano uma alta de 51% no número de vítimas de homicídios. A região é a maior responsável pelo crescimento de 9,3% desse crime no estado.

A relação de dependência entre melhores índices criminais com a dinâmica das facções criminosas faz com que, para especialistas, a redução nas taxas não signifique maior segurança da população.

"A redução dos indicadores não quer dizer mais segurança. Pelo contrário. As taxas de morte aumentam quando há disputas. À medida que você tem uma reconfiguração das autorizações de funcionamento de atividades criminosas, as mortes caem. [...] No Rio de Janeiro se governa com o crime, não contra ele", afirma a antropóloga Jacqueline Muniz, do departamento de segurança pública da UFF.

Uma das evidências é o número de fuzis apreendidos pela polícia neste ano, até setembro (487). Mantida a média mensal, serão mais de 680 armas do tipo retiradas de circulação em 2023, muito superior ao recorde (550), registrado em 2019. A apreensão de fuzis costuma ser usada como métrica para estimar o armamento em circulação.

Foi o controle sobre uma vasta extensão do território da capital fluminense que permitiu a principal milícia do estado incendiar um trem, 35 ônibus e veículos de passeio após a morte do número 2 da hierarquia do grupo criminoso.

A queda nos homicídios no Rio de Janeiro se iniciou em 2018, ano da intervenção federal na segurança pública.

Especialistas, porém, não veem nas políticas de segurança adotadas no período uma explicação para a redução. A diminuição nas mortes violentas no estado acompanhou, em maior ritmo, o mesmo movimento registrado em todo o país.

"Em 2017 é o grande conflito entre PCC [Primeiro Comando da Capital] e CV [Comando Vermelho], que se dá nacionalmente. Estados como o Ceará tiveram uma explosão de homicídios. Todos caminharam para esse aumento por conta desse racha nacional. Quando esses confrontos são realocados em outros níveis, a gente vê a redução dos homicídios ano a ano. Tem mais a ver com esse cenário do que necessariamente a ver com ações relativas à segurança pública", afirmou o cientista político Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).

O sociólogo Daniel Misse compara o atual estágio do Rio de Janeiro com o vivido por São Paulo no início do século, a partir da consolidação do PCC.

"A unificação do PCC reduziu o número de homicídios. O mesmo aconteceu em Medellín. O Rio de Janeiro parece ter um processo de unificação em alguns pontos. Dentro do tráfico, houve o fortalecimento do CV e o enfraquecimento da ADA [Amigos dos Amigos] e TCP [Terceiro Comando Puro]", afirmou ele.

Especialistas apontam ainda fragilidades nos dados divulgados pelo ISP. Levantam a hipótese, por exemplo, de que casos de desaparecimentos possam ocultar homicídios.

"Há uma concentração maior do número de desaparecimentos em áreas sob o controle territorial de milícias. Ou seja, isso não aparece nos registros oficiais como homicídios, mas eventualmente podem ser desaparecimentos forçados. Isso tem muita relação com o perfil dos milicianos que sabem como o estado funciona, como a investigação policial funciona e, portanto, sabem, inclusive tem técnicas de desaparecimento muito sofisticadas", afirma Hirata.

A redução dos índices não se resume, porém, aos crimes contra a vida. Os delitos contra o patrimônio também apresentam forte queda desde 2017. Os roubos de rua, veículos e de carga deste ano estão menores, inclusive, do registrado durante a pandemia, quando havia menor circulação de pessoas.

Uma das hipóteses é mudança na fonte de renda dos grupos criminosos. A ampliação da cobrança de taxas por diferentes serviços em territórios cada vez mais extenso reduz a necessidade de obtenção de receitas consideradas mais arriscadas por criminosos.

Em nota, o Governo do Rio de Janeiro afirmou que " vem investindo em efetivo, infraestrutura e tecnologia para as forças de segurança".

"Só no governo Cláudio Castro foram R$1,5 bilhão. Uma das principais aquisições são as câmeras operacionais portáteis -cerca de 21 mil, na maior licitação para esse tipo de equipamento já feita no país. Outros destaques são a construção do maior centro de treinamento de tropas convencionais e especiais do país e a inauguração da Agência Central de Inteligência da Polícia Civil. Além disso, foram feitas reformas de batalhões e delegacias, compra de equipamento de proteção individual e viaturas", diz a nota do governo.

" A repressão ao tráfico de drogas e o combate às milícias são uma prioridade dessa gestão que criou, em 2020, no âmbito da Secretaria de Polícia Civil, uma força-tarefa para investigar, identificar e prender integrantes de organizações criminosas. As ações para asfixiar o crime organizado já resultaram em prejuízos de mais de R$ 2,5 bilhões para as milícias. Mais de 1.500 milicianos foram presos. Só neste ano, a polícia do Rio de Janeiro prendeu em flagrante mais de 28 mil pessoas."


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