CAMPINAS, SP, SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Quatro dias após a tempestade que matou sete pessoas e deixou mais de um milhão de endereços em todo o estado de São Paulo sem energia elétrica, as concessionárias responsáveis pelos serviços foram duramente criticadas por representantes dos governos federal, estadual e municipal.

Nesta segunda-feira (6), a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) do Ministério da Justiça notificou a Enel para que ela explique as razões do prolongado apagão. A empresa terá 24 horas para responder.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, mencionou que o seu governo e a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), assim como outros municípios, enfrentam dificuldade em lidar com os atuais contratos de distribuição de energia porque não são titulares do contrato, firmado com a União nos anos 1990.

Em reunião no Palácio dos Bandeirantes com o prefeito e representantes da Aneel e das concessionárias, na noite desta segunda, o governador anunciou que será feito um estudo de ressarcimento aos consumidores afetados pelo apagão. Não deu mais detalhes, mas afirmou que o formato será divulgado em até 30 dias. Ele disse ainda que enviará à Alesp (Assembleia Legislativa) um projeto de lei para coordenar um plano de manejo e poda de árvores.

Freitas também falou que a assinatura de um TAC (termo de ajustamento de conduta) será proposta pelo estado às concessionárias, para que elas assumam responsabilidade pelos prejuízos provocados pelo apagão a consumidores.

Já o prefeito paulistano citou que uma taxa deve ser criada para enterrar os fios, como complemento aos R$ 200 milhões do fundo de iluminação que devem ser usados para esse fim, uma vez que houve parecer favorável da procuradoria do município. O valor total para a cidade inteira seria de R$ 20 bilhões, disse Nunes.

Ele afirmou, porém, que essa nova taxa não seria obrigatória. Em vez disso, haveria uma consulta aos moradores dos quarteirões considerados críticos.

O desenho final dessa cobrança está em discussão com a Enel e a Aneel, diz o prefeito, que também criticou a concessionária pela falta de material humano para atender as emergências, além do contrato feito com o governo federal.

A Senacon disse que entrará em contato com o Procon de São Paulo para tentar estimar a quantidade de pessoas afetadas pela falta de energia e, com os dados, elaborar um plano de ação.

"A Enel vai ter que explicar o que aconteceu, se foram adotadas providências prévias quanto a possibilidade dessas catástrofes ambientais. Compete a ela adotar providências para mitigar essas situações. Prejuízos não precisam ser na escala que acontece aqui", disse o secretário Wadih Damous.

A empresa deverá também apresentar plano para enfrentamento da situação e listar canais de atendimento para a população. "Conforme for, vamos exigir que ampliem os [canais] e apresentem planos de ressarcimento, são obrigados a ressarcir", afirmou ele.

Procurada, a Enel disse que "os profissionais da companhia seguem trabalhando 24 horas por dia para agilizar os atendimentos e normalizar o fornecimento para quase a totalidade dos clientes até esta terça-feira (7), conforme anunciado em reunião com o prefeito de São Paulo".

Além da Enel, o estado de São Paulo também possui outras fornecedoras de energia, que também foram afetadas. Entre elas estão a CPFL, Elektro, EDP SP e ESS.

O quinto dia de apagão, nesta terça (7), começou com cerca de 200 mil endereços sem energia elétrica em 24 municípios da região metropolitana de São Paulo, segundo a Enel. Esse número significa dizer que 200 mil imóveis ?entre residências e comércios? enfrentaram o primeiro dia útil da semana às escuras. Fato que tem gerado indignação em parte da população.

Nas redes sociais, os moradores direcionaram reclamações às empresas concessionárias, ao prefeito e ao governador. O órgão responsável por entregar a gestão às empresas e fiscalizar a qualidade do serviço é federal, mas há a possibilidade de fiscalização complementar e aplicação de multas por um ente estadual.

No Brasil, as atividades de produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica são uma responsabilidade da União, ou seja, do governo federal. É assim ao menos desde a Constituição de 1934, com a regulamentação do Código de Águas naquele ano. Antes, essas competências eram municipais. Já o aproveitamento das quedas de água eram dos estados.

A Constituição de 1988 ratificou essa competência federal, e, em 1996, foi criada a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia.

É da Aneel a competência para gerir os contratos de concessão de todos esses serviços. Essa responsabilidade pode ser delegada a agências estaduais e municipais que terão papel complementar ao órgão nacional, o que ocorre com frequência.

Em São Paulo, a distribuição de energia geralmente é associada ao setor público estadual pelo fato de o serviço ter sido prestado durante décadas pela companhia AES Eletropaulo, fundada pelo governo paulista. Como a companhia estadual era a vitrine do serviço, há uma confusão natural sobre a responsabilidade pelo serviço.

Em 2018, o estado fez um leilão das suas cotas na empresa, que foram adquiridas pela empresa italiana Enel. A multinacional tornou-se então a maior distribuidora de energia elétrica do país. A Enel herdou o contrato de concessão do serviço na capital paulista, assinado entre União e Eletropaulo em 1998. O prazo da concessão dura até 2028.

O que pode acontecer, de acordo com o advogado Mauro Moura, sócio da área de direito público e regulação do Veirano Advogados, é uma autorização por meio dos chamados convênios de cooperação para agentes estaduais. É por meio desse convênio que agentes da Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), por exemplo, podem fiscalizar os serviços e instalações e aplicar multas em São Paulo. Caso a Enel recebesse uma multa da Arsesp, poderia recorrer à Aneel.

"A concessionária Enel pode ser multada no valor de até 2% da receita operacional líquida da concessionária verificada nos 12 meses anteriores à lavratura do auto de infração", diz Batista, da FGV. Neste caso, diz ele, o valor poderia alcançar até R$ 375 milhões por infração.

A Arsesp anunciou que vai trabalhar em parceria com a área de fiscalização da Aneel na apuração das responsabilidades, explica Sandoval Feitosa, diretor-geral da agência nacional.

Independentemente das conclusões, Feitosa afirma que empresas e diferentes órgãos de municípios, estados e do governo federal precisam se preparar para um ambiente climático mais adverso.

"É preciso rediscutir o setor do ponto de vista urbanístico nas cidades, os aspectos de engenharia, a legislação, as normas regulatórias e as ações operacionais. Um exemplo é o traçado das redes. Em muitos centros urbanos é melhor o aterramento."


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