SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após pouco mais de quatro meses no espaço, o telescópio espacial Euclid, da ESA (Agência Espacial Europeia), está pronto para começar sua missão científica de seis anos, com o objetivo de decifrar o Universo "invisível", formado pelas misteriosas matéria escura e energia escura. Para celebrar, os europeus divulgaram nesta terça-feira (7) as cinco primeiras imagens produzidas pelo equipamento.
Os alvos foram escolhidos mais para mostrar a capacidade do telescópio, que tem como principal característica a capacidade de capturar uma grande área do céu de uma vez só (um pouco maior que a região ocupada pela Lua cheia e cem vezes maior que o campo de visão do telescópio James Webb), do que propriamente colher resultados científicos. Mas isso não quer dizer que não haja ciência a ser extraída delas. Um artigo científico sobre elas, após sua análise pelo consórcio do Euclid, deve sair no começo do ano que vem.
"Este é o momento em que cumprimos todos os desafios de engenharia, e podemos começar a fase científica", disse Carole Mundell, diretora de ciência da ESA, durante a apresentação das fotos, transmitida ao vivo pela internet.
E não foram poucos os entraves para pôr o telescópio à disposição dos cientistas. Após ser lançado, em 1º de julho, o satélite viajou a uma distância de 1,5 milhão de km da Terra, num ponto de equilíbrio gravitacional que permite que ele acompanhe o planeta o tempo todo enquanto orbita o Sol (mesma região para onde foi lançado o Webb). Chegando lá, os engenheiros trabalhando no comissionamento dos sistemas descobriram alguns problemas.
"Tivemos três grandes desafios, os grandes elefantes na sala. Primeiro, a descoberta de luz difusa", contou Micha Schmidt, gerente de operações da missão. Aparentemente, a luz do Sol estava afetando o telescópio dependendo da posição em que ele era apontado. "Isso foi facilmente corrigido, depois que foi identificado, permitindo que a espaçonave só vire em uma certa direção de modo que o escudo solar esconda a área reflexiva do Sol."
"Segundo, os raios X, não há nada que possamos fazer, eles nos fazem perder 3% das observações, que precisam ser refeitas. E terceiro desafio, manter o apontamento da espaçonave preciso." Para manter o telescópio apontado com precisão para seus alvos, o satélite conta com um detector de estrelas, usadas como referências de orientação. "O problema é que o sistema não conseguia distinguir raios cósmicos de estrelas."
Essa sempre foi uma preocupação dos gerentes da missão, e no começo foi dramático ver as imagens trêmulas e cheias de riscos em razão do apontamento falho. Mas felizmente foi possível corrigir a situação com uma atualização de software, colocando o telescópio em ordem para a missão científica. "Para o comissionamento, hoje foi o grande dia", disse Schmidt. A equipe do telescópio espera iniciar a missão científica de seis anos, numa varredura que cobrirá 36% do céu, no começo de 2024.
AS PRIMEIRAS IMAGENS
Para demonstrar a versatilidade do Euclid, foram produzidas cinco observações de objetos que vão desde as profundezas mais distantes do cosmos à nossa vizinhança na Via Láctea. A primeira delas mirou o aglomerado de galáxias de Perseu, imagem que revela cerca de mil galáxias pertencentes a ele, mais cem mil outras que estão ao fundo. Quanto mais distante se vê, mais se pode mergulhar no passado do Universo (porque a luz, viajando a 300 mil km/s, leva um tempão para vir de lá até aqui), e os cientistas estimam que algumas das galáxias dessa imagem estejam tão longe que a luz levou 10 bilhões de anos para chegar até aqui. É um retrato da infância cósmica, considerando que o Big Bang ocorreu há 13,8 bilhões de anos.
Esta primeira imagem provavelmente é a melhor demonstração do potencial do Euclid, que tem como principal objetivo mapear a presença da matéria escura e da energia escura, duas entidades que só podem ser detectadas de forma indireta, pela gravidade ou pela aceleração da expansão do cosmos, e com isso decifrar a geometria do Universo. Daí o nome da missão, em homenagem ao matemático grego Euclides, celebrado como pai da geometria.
O plano é observar a distância e a velocidade de bilhões de galáxias, a fim de construir um mapa tridimensional do Universo em várias direções. Para isso, o Euclid precisa de duas qualidades, segundo Carole Mundell: "profundidade e precisão". "Incrível que a gente possa retratar uma área tão vasta [do céu] imediatamente. Antigamente, essas imagens tinham de ser feitas aos pedaços. O Euclid se mostra sensível o suficiente para captar galáxias pequenas, e com precisão."
A partir desse mapeamento, será possível estudar o papel da matéria e da energia escuras (que respondem juntas por 95% de todo o conteúdo do cosmos, em contraposição à matéria visível) e, quem sabe, elucidar sua natureza, permitindo discriminar entre várias hipóteses concorrentes.
A segunda imagem divulgada é da galáxia espiral IC 342, localizada a modestos 11 milhões de anos-luz daqui, o que faz dela uma vizinha próxima, em termos astronômicos. Ela é conhecida como "a galáxia oculta", por causa da grande quantidade de poeira que bloqueia parte da sua luz. "O Euclid vai observar bilhões de galáxias para revelar a estrutura do Universo, e tudo começa com uma, e esta é uma", diz René Laureijs, um dos cientistas da missão.
O estudo de galáxias espirais ajuda os cientistas a entenderem a própria Via Láctea, que representa um desafio de observação por estarmos dentro dela. Mas o Euclid não vai trabalhar apenas com essas galáxias mais "arrumadinhas". A terceira imagem do satélite retrata a galáxia irregular NGC 6822, que está ainda mais perto, a 1,6 milhão de anos-luz. No passado cósmico, galáxias irregulares eram muito mais comuns, servindo como tijolos para a construção das maiores. Ao desvendar as grandes estruturas do Universo, o Euclid terá de estudar muitas delas.
A quarta imagem já nos traz de volta à Via Láctea, com o aglomerado globular NGC 6397. Localizado a 7.800 anos-luz da Terra, ele contém centenas de milhares de estrelas numa região bastante compacta. O que mais impressiona na imagem do Euclid é como se pode notar as estrelas individuais, em uma imagem feita de uma só vez, abarcando o aglomerado inteiro.
Por fim, a quinta imagem retrata uma paisagem famosa, a nebulosa Cabeça de Cavalo, um berçário estelar que está a 1.375 anos-luz daqui, próxima das Três Marias, na Constelação de Órion. Os cientistas esperam usar essa imagem para descobrir muitos planetas gigantes jovens, assim como estrelas bebês e anãs marrons (astros maiores que planetas, mas menores que estrelas, incapazes de produzir brilho próprio por fusão nuclear).
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