SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No último mês, a secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde e também professora de epidemiologia, Ethel Maciel, anunciou que a vacina contra Covid passa a integrar o calendário nacional de vacinação infantil em 2024.

No mesmo dia, reforçou que a campanha no próximo ano irá incluir apenas as crianças maiores de 6 meses e abaixo de 5 anos, os idosos com mais de 60 anos, e alguns outros grupos prioritários, como gestantes, indígenas, quilombolas e profissionais de saúde.

A decisão pode ter pego de surpresa milhares de brasileiros que, tomados por um senso coletivo de proteção e cuidados gerado pela pandemia, se sentiram excluídos na próxima campanha de vacinação. Afinal, adultos e crianças (maiores de cinco anos) saudáveis não devem receber reforços anuais contra a Covid, disse a pasta da Saúde.

A estratégia de restringir a imunização para grupos prioritários é a mesma adotada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), explica Renato Kfouri, infectologista e diretor de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, com uma modificação na inclusão de crianças que, para a entidade, não são prioritárias.

Segundo ele, o atual cenário epidemiológico no país é de uma concentração de novas internações por Srag (síndrome respiratória aguda grave) Covid em pessoas abaixo de cinco anos de idade e acima de 65. Já em relação às mortes, elas se concentram nos indivíduos com mais de 80 anos. "A gente caminha, na verdade, para um cenário igual às outras doenças: todo mundo pode pegar meningite, mas quem tem maior risco, quem morre mais, é a criança, é o adolescente. Então a vacina é voltada para este público."

Considerando o cenário epidemiológico do início de 2020 para cá, houve períodos em que havia um risco elevado de doença grave em um público amplo. Mesmo as crianças, que no início eram consideradas como de menor risco, tiveram um pico de internações em 2022, antes de começarem a ser vacinadas ?cerca de um ano após os demais grupos.

"A incidência de hospitalizações nas crianças, principalmente menores de um ano de idade, cresceu muito nos últimos dois anos, até mesmo em comparação à incidência em idosos, onde a hospitalização é grande. Por isso a justificativa de concentrar os esforços no público que mais interna", completa.

A estratégia de vacinação contra Covid considera, ainda, o custo-efetividade de campanhas de vacinação com foco na saúde pública, afirma o infectologista e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda.

"É muito relacionado à letalidade [considerada como o número de pessoas que morrem de um total de pessoas com infecção] da doença, que caiu muito, principalmente nesses grupos jovens, sem comorbidades, e que também foram previamente expostos ou vacinados", explica.

Para ele, é esperado que a vacinação contra a Covid se assemelhe ao que é feito a cada ano contra a gripe. "O que não significa, e eu acho que ainda vai acontecer, que as vacinas não possam ser ofertadas para pessoas fora do público-alvo, como acontece com influenza. O governo faz a compra, inicia a campanha de vacinação e, no momento em que você não atinge o número de pessoas esperadas, libera para outros grupos", disse.

Vale ressaltar que a adesão à campanha de vacinação com a bivalente segue muito baixa, especialmente no grupo de adultos de 18 a 59 anos, onde cerca de 13% destes procuraram a atualização com a última dose disponível.

"A gente discute muito se deve vacinar toda a população, mas o mais importante é ter uma cobertura elevada nos públicos-alvo. É importante discutir diferentes estratégias, atualização tecnológica das vacinas, mas se a gente não convencer a população a se vacinar todo esse esforço não traz benefício", afirma Croda.

Em relação aos diferentes tipos de imunizantes, há estudos que mostram uma superioridade, no que diz respeito à produção de anticorpos neutralizantes (capazes de bloquear a entrada do vírus nas células) in vitro (laboratório), das formas monovalentes atualizadas da vacina em comparação à bivalente.

"Mas estes estudos são todos de ensaio em laboratório, não há nada ainda de efeito na vida real. O que sabemos é que as vacinas, mesmo as monovalentes com o vírus ancestral de Wuhan, ainda protegem muito bem esse público contra hospitalização e óbito", explica a imunologista e professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Cristina Bonorino.

Como as vacinas monovalentes atualizadas garantem uma proteção também contra as variantes XBB.1.5 e B.A.2.86 da ômicron, atualmente predominantes no mundo, elas atingem também uma maior proteção contra infecções, mesmo que este não seja o foco primário da vacinação.

"A estratégia dos Estados Unidos, de vacinar toda a sua população, é única por várias razões, inclusive produção e estoque, e talvez porque a estratégia deles seja mais em dizer para todos se vacinarem do que restringir para alguns grupos específicos, o que pode levar à baixa adesão", lembra a imunologista.

Comunicação, aliás, é algo que precisa ser também substancialmente modificado nos próximos anos para conseguir garantir uma cobertura vacinal elevada, afirma a pesquisadora do grupo Rede de Pesquisa Solidária e professora do departamento de ciência política da USP, Lorena Barberia.

"O problema foi que houve um foco quando teve início [a campanha] de proteção contra doença [infecção sintomática], o que levou muitos pais a acharem que não precisavam vacinar seus filhos, ou mesmo pessoas adultas, que já tiveram Covid. A vacina protege contra hospitalização e óbito, e a gente viu muitas crianças morrendo porque os pais não sabiam, ou não acreditavam, que a vacina protegia seu filho ou sua filha da morte", reflete ela.

A vacinação contra Covid ajuda a prevenir também sequelas da doença que podem surgir após a infecção, como a Covid longa. "A vacina ainda é muito boa, e ela protege. Se você se vacinou e teve Covid, provavelmente os sintomas foram mais leves. E pessoas com maior risco devem ter um cuidado maior", afirma Bonorino.

"Talvez, mais importante do que pensar na campanha do próximo ano, a mensagem principal deva ser, agora, quem ainda não levou seus filhos para vacinar, fazê-lo o quanto antes", finaliza.

O QUE DIZ A OMS

Grupo de alta prioridade para vacinação anual inclui idosos, adultos com comorbidades ou obesidade grave, imunossuprimidos (incluindo crianças com seis meses ou mais), gestantes e trabalhadores de saúde.

Grupo de prioridade média são adultos saudáveis sem comorbidades, com menos de 50 ou 60 anos (idade limite depende do país), e crianças e adolescentes com comorbidades graves; estes não fazem parte da recomendação de doses adicionais anuais, mas podem ser incluídos de acordo com a disponibilidade do imunizante.

Pessoas não incluídas em nenhum grupo de prioridade e para as quais não há recomendação de doses anuais são crianças e adolescentes saudáveis de seis meses a 17 anos.

O QUE DIZ O CDC (CENTRO DE CONTROLE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS DOS EUA)

Pessoas com cinco anos ou mais independente da vacinação prévia podem receber um novo reforço com a vacina atualizada a partir de dois meses da última vacina.

Bebês e crianças de seis meses a quatro anos de idade vacinados previamente podem receber uma ou duas doses da vacina atualizada (o tempo e o número de doses administradas dependem da vacina contra Covid que receberam antes).

Bebês e crianças de seis meses a quatro anos de idade que nunca receberam doses monovalentes podem receber até três doses da fórmula atualizada da Pfizer ou duas doses da nova versão da Moderna.

O QUE DIZ O MINISTÉRIO DA SAÚDE

São incluídas para vacinação anual crianças de seis meses a menos de cinco anos de idade, idosos, imunocomprometidos, gestantes, puérperas, trabalhadores da saúde, pessoas com comorbidades, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pessoas vivendo em instituições de longa permanência e seus trabalhadores, pessoas com deficiência permanente, privados de liberdade maiores de 18 anos, adolescentes e jovens cumprindo medidas socioeducativas, funcionários do sistema penitenciário e pessoas em situação de rua.

Para as demais pessoas, incluindo adultos saudáveis, não há recomendação de vacinação anual.


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