SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Duas multinacionais da indústria farmacêutica anunciaram recentemente o corte no fornecimento de somatropina, conhecida como hormônio do crescimento, no mercado brasileiro. O medicamento produzido pela Novo Nordisk está indisponível desde julho, ainda sem previsão de reabastecimento. Já a Merck vai interromper a distribuição em janeiro de 2024, também por tempo indeterminado.

O medicamento é indicado para o tratamento de distúrbios do crescimento em crianças e adolescentes. Pacientes devem buscar orientação médica para substituir a medicação por outra com o mesmo princípio ativo. As alternativas terapêuticas disponíveis no país estão com abastecimento regular, segundo as fabricantes.

Questionadas, as farmacêuticas atribuíram o desabastecimento a dificuldades logísticas e produtivas, e disseram que outros países também estão sendo afetados. Segundo a dinamarquesa Novo Nordisk, "intercorrências na implementação e operação de uma nova linha de envase" resultaram na produção abaixo do previsto. A alemã Merck, por sua vez, disse que está "trabalhando em todo o mundo para acelerar nossos processos e aumentar nossa capacidade produtiva para solucionar essa situação".

O corte no fornecimento pelas multinacionais não deve afetar a distribuição do hormônio pelo SUS (Sistema Único de Saúde). A medicação da rede pública é produzida pelo laboratório brasileiro Cristália em parceria com o instituto BioManguinhos, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

O tratamento gratuito é garantido a crianças e adolescentes com deficiência comprovada do hormônio do crescimento (também conhecido pela sigla GH -growth hormone, em inglês) e meninas com síndrome de Turner (condição genética que provoca baixa estatura em mulheres). Cerca de 30 mil pacientes são atendidos pelo SUS atualmente.

Há ainda outras indicações aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas disponíveis apenas na rede privada, mediante prescrição médica. Em geral, a somatropina é indicada para estimular o crescimento de crianças com alguma condição que inibe o crescimento -a lista inclui malformações, insuficiência renal crônica e algumas síndromes raras. O medicamento também é indicado para adultos com deficiência hormonal.

O uso mais amplo, porém, se dá para tratamento da chamada baixa estatura idiopática. "A palavra significa 'de causa desconhecida', quando fazemos todos os exames e não conseguimos determinar. É um grupo grande de pacientes, que pode abarcar 1% a 2% das crianças", explica o diretor do departamento de endocrinologia pediátrica da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), Sonir Antonini.

"De cada 100 pacientes que tem problema de crescimento, 5% tem deficiência hormonal. Dos 95% restantes, o maior contingente é baixa estatura idiopática", acrescentou. Segundo o médico, o GH é indicado quando outras doenças tratáveis já foram descartadas como causa da baixa estatura.

Médicos ouvidos pela reportagem alertam para o uso inadequado da somatropina por razões estéticas e comportamentais, inclusive em crianças sem deficiência hormonal para que cresçam mais.

"A Anvisa é muito criteriosa na definição de baixa estatura, a norma traz parâmetros muito claros e rígidos. Mas existe uma frouxidão na hora de prescrever e tem médicos que acabam prescrevendo para um monte de gente que oficialmente não tem indicação", afirma Margaret Boguszewski, professora da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e vice-presidente do departamento de endocrinologia pediátrica da Sbem.

Segundo os especialistas, o medicamento tem nível alto de segurança e possui poucas contraindicações -o uso é vedado em crianças com diabetes e em tratamento de câncer.

O aumento do uso sem indicação médica, contudo, preocupa os especialistas. Apesar de não possuir indicação na bula, o GH é amplamente utilizado para ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo. O medicamento é anunciado com esta finalidade em redes sociais, como Facebook e Telegram.

"O uso é seguro em doses adequadas e controladas, mas quando um adulto que já produz [o hormônio] toma em excesso, os riscos aumentam. Aí sim provoca diversos problemas articulares, a glicemia sobe, há risco aumentado de diabetes, sobe a pressão arterial e pode até favorecer a formação de câncer", explica Antonini, que é professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP (Universidade de São Paulo).

Em abril, o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou uma resolução que proíbe a prescrição de esteroides androgênicos anabolizantes para fins estéticos. A lista inclui 31 substâncias, entre elas a somatropina.

Segundo Annelise Meneguesso, conselheira da entidade, a medida atendeu demandas de oito sociedades médicas, como cardiologia, dermatologia e endocrinologia -especialidades que estariam lidando com as "sequelas" do uso inadequado desses hormônios.

"Nós tínhamos que fazer algo em relação a essa má prática. Se eu oferecer um tratamento a um paciente que pode deixá-lo menos saudável do que quando ele entrou, eu não estou sendo ético. Fora das indicações formais a prescrição não se justifica, por causa dos riscos maiores que os benefícios", afirmou a endocrinologista.

A medida prevê punições da advertência à cassação do registro profissional. Segundo Meneguesso, o CFM julga com frequência denúncias de descumprimento da regra.


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