BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Lula (PT) proibiu o acesso de civis a armas de cano longo semiautomáticas, como rifles e carabinas, após decreto da gestão petista deixar esse tipo de armamento em um limbo jurídico.

O veto às armas longas semiautomáticas foi dado em uma portaria conjunta do Exército e da PF (Polícia Federal) publicada em novembro ?quatro meses após o decreto do presidente Lula que estabeleceu novas regras para a política armamentista do país.

O decreto proibia o uso por civis de armas longas semiautomáticas, como rifles e carabinas, cuja munição comum atingisse na saída do cano energia superior a 1.620 joules no tiro.

Na prática, então, carabinas, rifles e espingardas que são de cano longo, semiautomáticos e menos potentes que essa classificação em joules entraram em um limbo e continuaram sendo usadas por atiradores.

Para corrigir a situação, a portaria estabeleceu que todas as armas longas semiautomáticas serão de uso restrito ?com autorização somente para uso das forças de seguranças e CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) que atingirem o nível três, que permite participação em campeonatos nacionais e internacionais.

Armas semiautomáticas são aquelas que o atirador não precisa realizar nenhuma ação entre os disparos: cada vez que o gatilho é apertado, um projétil é lançado e outra munição é preparada automaticamente para o disparo seguinte. As armas automáticas, que dão rajadas de tiros, são restritas e proibidas para civis no Brasil.

"Pode-se afirmar que todas as armas de fogo portáteis, longas, de alma raiada, semiautomáticas são de uso restrito, independentemente do calibre, sem aumentar as restrições já estabelecidas no decreto", disse a PF, em nota.

Não entram nessa regra rifles e carabinas de repetição manual, aquelas em que o atirador precisa manualmente acionar um mecanismo para preparar o próximo disparo.

Assim como no caso dos fuzis e pistolas semiautomáticas que passaram a ser de uso restrito após o decreto, o governo não impôs agora nenhuma restrição aos que já tinham adquirido os itens previamente ?ou seja, os novos modelos afetados pela portaria de novembro também não demandarão uma devolução por parte dos proprietários.

Fontes que participaram das discussões da portaria afirmaram à Folha que a nova proibição foi definida entre o Exército e a PF quando perceberam que o decreto presidencial não deixava clara a situação desse tipo de armamento.

Gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani avalia que a restrição aos rifles e carabinas semiautomáticos é importante para reduzir o poder de fogo de civis.

"Passou a existir uma preocupação de não só combinar a potência do calibre, mas também o tipo de funcionamento. Quando você permite que [o civil] tenha essa arma longa e semiautomática, você de certa forma busca não igualar o poder de fogo de um civil com o da polícia. Por isso é importante manter essa restritividade maior", diz Langeani.

Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), as regras para acesso a armas não diferenciavam as de cano curto e longo. Estabelecia somente o limite de 1.620 joules para todo tipo de armamento ?o que incluía rifles semiautomáticos e armas curtas mais potentes que as regras do governo Lula.

"As portarias do [governo] Bolsonaro eram mais permissivas, não tinham preocupação com as diferenciações [das armas]. Se estivesse no limite de energia, tanto faz se era uma arma curta ou longa, semiautomática ou não, estava tudo permitido", resume.

Floriano Cathalá, associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que é um avanço o fato de a portaria ser conjunta, pela primeira vez, entre Polícia Federal e Exército, já que a corporação policial vai assumir a fiscalização das armas de civis.

Ele destaca, porém, que não faz sentido serem permitidos rifles potentes de repetição e proibidas todas as armas semiautomáticas.

"A mera restrição ao tamanho da arma não é suficiente. Tem que ter restrição ao calibre, mas precisa ter uma fiscalização efetiva. A pessoa que quer cometer o crime, ela vai cometer com uma arma curta, longa, legal ou ilegal. E fica difícil mensurar se uma arma de 30 disparos de calibre 22 é mais ou menos perigosa do que uma pistola com calibre 380 que tem 19 disparos", diz Cathalá.

"O mais importante é ter gente suficiente, rastreamento de munição. Não existe receita de bolo, fórmula pronta que consiga responder aos questionamentos [sobre a melhor regulação]."

Já o presidente do Proarmas, o deputado Marcos Pollon (PL), critica o texto da portaria, dizendo que pode atrapalhar o tiro esportivo. Segundo ele, a intenção é criar um PDL (projeto de decreto legislativo) para tentar sustar o efeito do decreto presidencial, já que os parlamentares não conseguem derrubar a portaria.

"É um absurdo eles proibirem além do que está no decreto. As pessoas migraram para o rifle semiautomático calibre 22 porque até então ele seria de uso permitido, agora só falta proibir estilingue. A sensação que dá é que eles querem que o tiro esportivo morra, esporte que deu a primeira medalha olímpica para o país", diz Pollon, em referência ao ouro conquistado em 1920, na Bélgica.

O governo Bolsonaro adotou uma política pró-armamentista que mais que dobrou o número de armas em poder dos cidadãos comuns de 2019 a 2022 ?salto de 371,7 mil para 803,5 mil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Reverter essa explosão de vendas de armas e limitar os modelos aos quais os civis têm acesso foram alguns dos objetivos citados pelo governo Lula para alterar a política de armas.

O assunto foi debatido em dez sessões do grupo de trabalho criado pelo Ministério da Justiça para estabelecer critérios para comercialização. As atas, obtidas pela Folha de S.Paulo via LAI (Lei de Acesso à Informação), mostram a preocupação dos membros em definir soluções objetivas para a regulação.

"O Conselheiro Giovanni [Olsson, do Conselho Nacional de Justiça] apontou a necessidade de definição de um documento que defina especificamente os calibres dos armamentos, permitidos e restritos, pois hoje temos diversas tabelas como a do EB [Exército Brasileiro], da PF e uma outra internacional que foca no tráfico de armas", mostra trecho da ata da primeira reunião.

A nota técnica do Ministério da Justiça que embasou a confecção do decreto das armas não citou a diferenciação das semiautomáticas e as de outros modelos.

O documento, no entanto, reforça que o "caos normativo e o dramático aumento de registro de armas e munições" exigiam um "compromisso imediato do governo federal de reversão dos atos normativos" do governo Bolsonaro.

"Há de se ressaltar que o Estado tem o monopólio do uso da força, e a disponibilidade dos mesmos armamentos para os profissionais de segurança pública e para a população civil representa uma distorção da necessária distinção entre os armamentos que devem ser de uso desses profissionais e aqueles que devem ser acessíveis ao cidadão comum", diz trecho da nota.


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