SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Fazia mais de uma hora que William Daniel Phillips, 75, cercado por centenas de universitários, oscilava sem parar entre ficar sentado e de pé no auditório do IFSC (Instituto de Física de São Carlos, ligado à USP).
De pé, tirava selfies com os estudantes e conversava brevemente com cada um deles, apesar da voz desgastada por um resfriado. Sentado, autografava livros didáticos, tabelas periódicas, capinhas de celular e até canecas de plástico -todo mundo queria a assinatura de um ganhador do Nobel, afinal de contas.
Observo que ele deve estar exausto com essa transformação em Taylor Swift da física. "Seria melhor se eu tivesse o mesmo número de zeros que ela na conta bancária", brinca. Phillips continuou ali até o último aluno, invariavelmente cortês.
O pesquisador americano (vencedor do Prêmio Nobel em Física em 1997) e seu colega e conterrâneo David Wineland, 79 (que recebeu seu próprio Nobel em 2012), visitaram o interior paulista para dois dias de palestras nesta semana.
A dupla é velha conhecida e colaboradora dos pesquisadores da USP de São Carlos desde antes da fama. "Aliás, o único artigo científico que esses dois assinaram juntos foi feito durante uma estadia aqui", observou Vanderlei Bagnato, professor do IFSC-USP, ao apresentar a palestra de Phillips.
No palco do auditório, os estilos dos dois não poderiam ser mais contrastantes: Wineland, tremendamente tímido, não economiza nas equações, enquanto Phillips é o avô bonachão, distribuindo pequenos prêmios a todos os que criavam coragem para fazer alguma pergunta ("por favor me chame de Bill", insistia ele).
Em comum, além da onda de tietagem, os dois têm uma carreira dedicada a compreender o comportamento de átomos individuais, com diferentes aplicações.
Phillips foi premiado pelo comitê do Nobel por seu trabalho com o chamado resfriamento a laser, no qual os raios de luz esfriam os átomos, tornando-os mais lentos e, portanto, mais passíveis de estudo. "Adoraria poder usar um resfriamento a laser aqui, aliás, porque o ar-condicionado não está dando conta", brincou ele, referindo-se ao auditório lotado.
Wineland, que também trabalha com resfriamento de átomos, levou o prêmio por sua contribuição à área da computação quântica, que busca usar as propriedades das partículas elementares para realizar tarefas que desafiam os computadores atuais.
O trabalho de ambos os pesquisadores, além disso, tem trazido contribuições importantes para a área da metrologia --a capacidade de medir quaisquer grandezas da natureza, como a passagem do tempo, a distância e a massa (ou, popularmente, peso) dos objetos, com precisão. Não por acaso, ambos têm ligação com o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA -equivalente, de certo modo, ao Inmetro no Brasil.
Esse foi o centro da fala de Phillips, que contou que o grande objetivo dos cientistas que trabalham com metrologia é substituir todas as medidas arbitrárias --definidas somente por convenções humanas-- por algo que tenha a ver com uma propriedade constante da natureza.
Hoje, por exemplo, o SI (Sistema Internacional de Unidades) define o metro com base na velocidade da luz, que é uma constante do Universo e viaja quase 300 milhões de metros por segundo. Já a definição de segundo vem da frequência das ondas de luz emitidas em transições de energia de átomos do elemento químico césio. A frequência luminosa corresponde à repetição das ondas de luz no tempo -daí a definição de segundo.
Ao menos por enquanto, disse Phillips à Folha enquanto saboreava um açaí. "Todo mundo concorda que precisamos de uma nova definição para o segundo do Sistema Internacional, porque a precisão usando os átomos de césio não vai ficar muito melhor do que já está", explica. "O trabalho do David tem conseguido ir além." "É verdade", concordou Wineland, "mas ainda não está claro o que vai entrar no lugar do padrão antigo."
Durante sua fala, Phillips menciona várias vezes a elegância e a beleza de adotar padrões de medida que não são convenções humanas, mas são derivados diretamente da natureza. Pergunto se, na ciência, a beleza costuma ser uma indicação segura de que uma teoria deve ser verdadeira.
"Bom, nem sempre a verdade é a beleza e a beleza é a verdade. Mas uma coisa que me vem à cabeça é a desavença entre Galileu e a Igreja Católica. Galileu defendia o sistema astronômico de Copérnico, que tinha órbitas circulares e o Sol no centro, embora ele ainda não fosse capaz de prever os fenômenos com mais precisão do que o sistema antigo. Mesmo assim, diante da elegância do sistema copernicano, que não tinha os penduricalhos do sistema antigo, Galileu decidiu correr o risco de defendê-lo. Então, às vezes a beleza é um indicativo importante do valor de uma ideia."
Apesar de citar Galileu, em geral visto como símbolo de um conflito inevitável entre ciência e religião, Phillips diz que nunca teve problemas para conciliar sua fé cristã (de confissão metodista) com a física. "Nunca achei que tivesse de escolher entre uma coisa e outra. Para mim, os textos bíblicos sempre me pareceram ter um sentido espiritual, e não literal." Hoje, ele é membro da Academia de Ciências do Vaticano (tendo entre seus colegas o anfitrião são-carlense Vanderlei Bagnato).
Brincando, ele resume da seguinte maneira o fato de ter escolhido a física como sua área de estudo: "Eu era uma criança muito curiosa, e os adultos não conseguiram tirar essa curiosidade de mim. Queria ser cientista, mas a biologia me parecia um negócio meio nojento; a química tinha uma nomenclatura complicada de decorar, e a minha memória é péssima. Com a física, bastava saber meia dúzia de fórmulas."
Ele diz fazer o possível para que a inclusão na categoria dos ganhadores do Nobel não lhe suba à cabeça. "O problema com a 'porcaria do Nobel', como dizia Richard Feynman [também físico e ganhador do prêmio, em 1965] é você achar que as pessoas precisam dar voz à sua opinião sobre tudo. E não é o caso."
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