SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em uma reunião na EMEI Dona Leopoldina, na zona oeste de São Paulo, um pai questionava a direção da escola sobre a demora para decidir se o dia do brinquedo continuaria ou não. "O conselho mirim ainda está deliberando sobre o tema", explicou a então diretora Marcia Harmbach.
Ela se referia ao grupo de alunos, de 4 a 6 anos, que tinha sido escolhido pelos colegas e professoras para participar da gestão escolar. Naquele dia, o assunto envolvia desafios sobre a partilha de brinquedos --algumas crianças traziam jogos caros que outras não tinham acesso, o que gerava frustração.
Sentados em círculo, os conselheiros expressavam o que sentiam com mediação de uma professora. Da conversa, veio uma solução: trazer só "brinquedos que não são de comprar", feitos com elementos da natureza ou material escolar como aviãozinho de papel, canoa de folhas ou boneca de galhos.
A ideia, sugerida por uma das crianças, foi apoiada pelos outros representantes mirins. Depois de ser compartilhada com o conselho da escola --formado pelos adultos-- virou regra.
O episódio ilustra como funciona o modelo de gestão criado por Harmbach, que foi aplicado nas escolas em que passou durante os 37 anos na rede municipal de ensino de SP. A ex-diretora organizou essas experiências no livro "Gestão Democrática", publicado pela Panda Educação em 2023.
Na obra, a educadora compartilha outros desafios escolares resolvidos com auxílio das crianças, como escolha da hora do cochilo, permissão para subir em árvores ou qual brinquedo adicionar ao parque.
Harmbach se inspirou em Paulo Freire, com quem trabalhou na secretaria de educação no final de 1980, para criar os conselhos mirins. O projeto, diz ela, parte do ideário de que não é possível construir uma escola democrática sem a participação de todos que atuam nela, em especial, as crianças.
"O conselho mirim qualifica as perspectivas das crianças em igualdade com os adultos na tomada de decisões", define a educadora. "É uma estratégia de diálogo e respeito às vozes infantis que garante uma transformação positiva na escola".
A educadora vê a participação das crianças não como uma concessão da direção, mas como uma forma de respeitar os direitos dos pequenos. Não basta interesse em ouvir, diz ela, é necessário precisar das crianças.
A EMEI Dona Leopoldina, instituição em que Harmbach trabalhou por dez anos como diretora, se tornou uma escola-modelo. Venceu oito prêmios pelo projeto político pedagógico, que é centrado na escuta ativa dos pequenos pelo conselho mirim.
Até mesmo a infraestrutura escolar se beneficiou. As crianças contribuíram com ideias para o parque, como um brinquedo colorido de bambus e uma mini pista de corrida.
"Hoje é uma escola feita para crianças", explica Harmbach, que se aposentou em 2022. Antes, a instituição não tinha um ambiente pensado com e por crianças, como o uso de um mobiliário lúdico que se espalha pelo pátio.
Mas nem tudo foram flores na hora de implantar o modelo de gestão. A maior dificuldade, segundo a educadora, foram os adultos. Quando as crianças começaram a falar sobre a escola, houve desconforto nos educadores e nas famílias.
Os adultos pensavam que os alunos de 4 e 6 anos apenas imitavam ou respondiam o que os mais velhos queriam ouvir. Mas, para a educadora, as crianças apresentavam ótica própria de ver o mundo, formulavam hipóteses e encontravam soluções.
"Se ouvíssemos mais os alunos, teríamos escolas mais alegres, afetivas e efetivas na relação do ensinar e aprender a construir conhecimentos. Mas muitas instituições de ensino estão inundadas pela burocracia", diz ela.
Na opinião da servidora, falta uma política pública que garanta a participação efetiva das crianças e jovens na gestão da escola. Os conselhos mirins, com seus resultados positivos, podem ser um caminho.
Quando os alunos do ensino infantil que participaram dos conselhos vão ao fundamental, eles mantêm o ideário de questionar as posturas da direção e os espaços da escola.
"As professoras de outras escolas que recebem nossas crianças ficam admiradas como os alunos expressam seus desejos e com o poder de argumentação deles", diz a ex-diretora. Ela vê no projeto uma oportunidade das crianças se tornarem questionadoras, críticas, empáticas e reivindicarem seus direitos e melhorias para as escolas.
"Quando as crianças são convidadas a participar das decisões que lhes dizem respeito, constroem autonomia ao pensar e organizar suas ideias", explica.
Hoje, a Dona Leopoldina está com as atividades do conselho paralisadas, mas prevê retomar o modelo dos conselhos mirins, segundo Aline Neves, nova diretora que assumiu o cargo em 2023.
Mesmo com o conselho paralisado, a escola mantêm os hábitos de escuta ativa em corredores, salas, parques, instituídos por Harmbach.
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