BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda a possibilidade de retirar dos militares a tarefa de fazer parte do transporte aéreo de cestas básicas na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima. A ideia é que eles sejam substituídos por aeronaves contratadas de empresas privadas.
Atualmente, um grupo interministerial trabalha nesse processo, que está em fase final de elaboração das especificações técnicas e de descrição das necessidades operacionais. Depois, caso a ideia avance, será preciso realizar consulta ao mercado e uma licitação.
A prioridade é a contratação de helicópteros grandes, como os Black Hawks ou similares utilizados pelos militares. São debatidos também cenários com emprego de aeronaves de menor porte.
A intenção do Executivo é que a operação tenha mais autonomia em relação aos equipamentos militares.
Questionado, o Ministério da Defesa afirmou que "o apoio logístico empregado pelas Forças Armadas se deu de forma emergencial, até que os órgãos que têm essa atribuição como atividade finalística pudessem implementar soluções duradouras".
"Desde o início da força-tarefa do governo federal em território yanomami, em janeiro de 2023, foram entregues 36,6 mil cestas de alimentos", afirmou a pasta, em nota. O ministério destacou que a ação já aconteceu em parceria com outros órgãos e aeronaves privadas.
A operação de desintrusão da Terra Indígena Yanomami começou em janeiro de 2023, após o presidente Lula realizar viagem ao local e o governo decretar emergência sanitária na região.
O Ministério da Saúde encontrou quadros graves de desnutrição entre os yanomamis. A causa, dentre outras, era a contaminação por mercúrio, elemento utilizado no garimpo ilegal e que poluí os rios e contamina animais e humanos.
Relatórios da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) revelados pela Folha de S.Paulo mostraram que os postos sanitários foram deixados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) em situação precária, com remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.
A obrigação de expulsão dos invasores e garimpeiros ilegais do território foi determinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda durante o governo de Bolsonaro ?que nunca cumpriu a ordem.
Desde o início de 2023, órgãos como Polícia Federal, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e Forças Armadas vêm atuando para a expulsão dos invasores do território.
Desde o governo Bolsonaro, mas também durante a gestão Lula, pessoas envolvidas na operação reclamam da articulação com os militares.
Como revelou a Folha de S.Paulo, relatórios de inteligência da Funai de 2019 dão conta de que militares vazavam informações sobre operações de combate à atividade ilegal e permitiam a circulação de ouro ou drogas mediante pagamento de propina pelos garimpeiros.
Além disso, o documento aponta que membros das Forças Armadas da região tinham relação de parentesco com pessoas que atuavam na exploração ilegal de ouro e cassiterita.
Outro relatório, este da PF e também revelado pela Folha de S.Paulo, indica que ao menos dois ex-militares da FAB (Força Aérea Brasileira) são suspeitos de integrarem uma organização criminosa responsável pela exploração de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
O plano inicial do governo Lula previa que a desintrusão dos garimpeiros seria concluída em 180 dias. Como isso não ocorreu, Barroso determinou que o Executivo apresente nova estratégia.
Durante a operação, houve denúncias de falha na entrega de cestas básicas por parte dos militares.
Em junho, a Agência Pública revelou que o Ministério da Defesa cobrava R$ 1,6 milhões da Funai para realizar a tarefa.
O debate para a troca por aeronaves de empresas privadas começou em novembro, quando foi publicada uma portaria do Ministério da Gestão e Inovação para criar uma "Equipe de Planejamento da Contratação (EPC), relativa ao projeto Logística Yanomami", com membros de diversas pastas.
A intenção é completar o processo ainda no primeiro semestre. Pelo modelo, a pasta da Gestão se encarregaria do processo burocrático, mas o contrato seria feito com o Ministério dos Povos Indígenas.
A prioridade é a contratação de uma aeronave grande, para substituir os helicópteros Black Hawk ou equipamentos semelhantes usados pelos militares.
Estas aeronaves são responsáveis, no modelo logístico atual, por carregar toneladas de alimento de fora para dentro do território, até duas bases militares dentro da Terra Indígena: Surucucu e Auaris.
É destes lugares que partem aeronaves menores, usadas por exemplo pela Funai, que conseguem distribuir as cestas para pontos mais isolados da região.
A necessidade de um helicóptero grande se dá porque os menores não tem tanta autonomia de voo, nem capacidade de carga, para poder dar conta de toda a distribuição.
Ao mesmo tempo, aviões têm mais dificuldade de encontrar locais de pouso e por isso são menos apropriados nesta logística ?apesar de terem sido importantes no início do enfrentamento à crise sanitária, quando foram usados em sobrevoos sobre aldeias distantes para lançar cestas do ar até o chão.
A intenção final do governo é fazer com que toda a operação de distribuição de cestas seja independente das Forças Armadas.
A atuação dos militares na Yanomami começou apenas como ajuda humanitária e apoio logístico. No meio do ano, o governo Lula emitiu uma portaria determinando que as forças tivessem maior poder de atuação, inclusive em operações de repressão ao crime, e pudessem fechar o espaço aéreo na região.
Em visita ao local, no entanto, a reportagem constatou que aeronaves do garimpo seguem sobrevoando o território, e fazem uma espécie de jogo de gato e rato, conseguindo fugir da fiscalização.
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