BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, desocupará o cargo no fim do mês sem ter emitido nenhuma portaria declaratória de terras indígenas, e deixará para seu sucessor, Ricardo Lewandowski, um passivo de ao menos 23 territórios à espera de andamento.
Os processos já passaram pela análise técnica da Funai (Fundação dos Povos Indígenas) e do Ministério dos Povos Indígenas e estão com a pasta da Justiça desde o final de setembro de 2023 -alguns casos aguardam há mais tempo.
Procurado, o ministério que passará a ser chefiado por Lewandowski afirmou que já realizou a análise técnica de oito terras indígenas, mas confirmou que não emitiu nenhuma portaria declaratória.
"O Ministério só foi dotado da estrutura necessária para a realização das análises dos processos no final de outubro", afirmou a pasta, em nota.
A portaria declaratória é uma das principais etapas da demarcação de terras indígenas. Ela serve, na prática, para referendar os estudos antropológicos realizados pelas equipes indigenistas, e já funciona como uma primeira camada legal de proteção aos territórios.
Após a emissão da portaria, o processo é enviado para a Casa Civil, responsável por emitir a demarcação e a homologação da terra, etapa final do procedimento.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a Casa Civil têm sobre a mesa seis territórios que aguardam homologação -a expectativa de integrantes do governo era que todos fossem oficializados até o fim de 2023, o que não aconteceu. Esses processos já estavam na presidência quando o petista assumiu o atual mandato, no início de 2023.
Lula oficializou nesta quinta-feira (11) a troca no comando do Ministério da Justiça.
Dino foi escolhido ainda no final de 2023 para ocupar uma cadeira vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Lewandowski é ministro aposentado da corte.
Lula afirmou que o decreto de nomeação do novo ministro da Justiça será publicado no dia 19 de janeiro, mas que a posse só ocorrerá em 1º de fevereiro e que, até lá, Dino seguirá à frente da pasta.
Historicamente, o processo de demarcação das terras indígenas acontecia no âmbito do Ministério da Justiça porque a Funai, responsável pelos estudos antropológicos, era vinculada à pasta, que ficava portanto com a atribuição de emitir a portara declaratória.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a transferir a demarcação para o Ministério da Agricultura. Sob críticas, a medida foi derrubada pelo Congresso. A discussão foi parar no STF, que confirmou o entendimento dos parlamentares.
Quando assumiu a presidência no início de 2023, Lula criou o Ministério dos Povos Indígenas, ao qual a Funai passou a ser subordinada e que recebeu, então, a atribuição de emitir as portarias declaratórias e enviar os processos para o Palácio do Planalto.
O Congresso, porém, decidiu que a emissão da portaria declaratória deveria voltar a ser uma atribuição do Ministério da Justiça. A mudança foi articulada pela bancada ruralista, que impôs uma série de derrotas ao governo Lula ao esvaziar competências dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.
À época, integrantes do Executivo afirmaram que isso não traria prejuízo aos processos, uma vez que Dino daria a celeridade aos processos.
Em 30 de outubro de 2023, o governo editou uma portaria para fazer novamente o Ministério da Justiça apto a emitir as portarias declaratórias.
Desde o início do último ano, segundo a própria pasta confirmou, foram concluídas as análises técnicas de oito territórios, mas nenhuma teve sua portaria declaratória emitida.
Dos 23 territórios que estão à espera, dez foram enviados a Dino pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, no contexto da ofensiva do Congresso e da bancada ruralista para aprovar o marco temporal.
A tese do marco, aprovada pelos parlamentares, mas contestada no STF, pode afetar todos os territórios ainda não demarcados -o que inclui processos não só os aguardando portaria, mas também aqueles em fase menos avançada de estudo.
Como mostrou levantamento da Folha de S.Paulo, essas áreas têm forte incidência de interesse do agronegócio e da mineração.
Elas somam 10.963 autorizações de exploração ou estudo minerário em seus respectivos perímetros.
Dentro desse grupo estão as 33 terras que aguardam as últimas etapas burocráticas para serem demarcadas, pendentes apenas as aprovações pelo do Ministério da Justiça, da Casa Civil e da Presidência para serem homologadas.
Em relação a esses territórios, a reportagem também identificou 1.961 fazendas dentro das áreas a serem demarcadas, além de 293 autorizações minerárias.
A Folha de S.Paulo também mostrou que a ANM tem em seu sistema 363 autorizações para exploração mineral dentro de terras indígenas já demarcadas, inclusive para garimpo, o que não é permitido por lei.
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