SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Na amazônia equatoriana, numa região em que a floresta se aproxima das primeiras encostas dos Andes, povos indígenas construíram uma densa rede de plataformas cerimoniais, estradas, canais e fortificações a partir de 2.500 anos atrás, afirma uma nova pesquisa.
Embora estruturas parecidas já tenham sido encontradas em outras sub-regiões amazônicas, inclusive no Alto Xingu, no Brasil, a equipe internacional responsável pelo novo estudo afirma que nenhuma delas chega a rivalizar com as descobertas no Equador em complexidade, extensão e antiguidade.
De acordo com eles, a civilização que erigiu a rede de povoações na bacia do rio Upano seria comparável aos seus contemporâneos maias do México e da América Central. A diferença é que, em vez de pedra, os habitantes da selva equatoriana usavam principalmente terra batida para estruturar seus espaços monumentais.
Descrições detalhadas dos monumentos amazônicos acabam de sair em artigo na revista especializada Science. O trabalho foi coordenado por Stéphen Rostain, do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, em Paris), e contou ainda com a participação de especialistas alemães, equatorianos e porto-riquenhos.
A equipe de arqueólogos combinou escavações tradicionais com o uso do Lidar, uma tecnologia que emprega pulsos de laser lançados do alto (por meio de aviões ou drones, por exemplo) para mapear estruturas do solo que podem ter ficado escondidas pela vegetação.
Esse, claro, é um problema comum em regiões de floresta tropical, onde seria impraticável, antiético e até ilegal derrubar extensões grandes de mata apenas para desvendar estruturas de interesse arqueológico debaixo dela. O Lidar foi empregado com sucesso nas áreas ocupadas pela civilização maia, por exemplo. Nos últimos anos, tem sido aplicado com cada vez mais intensidade na amazônia, com alguns resultados impactantes.
Os habitantes do vale do rio Upano moravam principalmente nos barrancos do curso d'água e podiam ver, ao longe, um vulcão de mais de 5.000 m de altura que está ativo até hoje.
Restos vegetais encontrados nos sítios arqueológicos comprovam o consumo de uma ampla variedade de plantas domesticadas, entre as quais feijões, mandioca, batata-doce e milho. Os grãos de milho, aliás, têm marcas de mastigação que batem com as técnicas de produção de uma bebida fermentada, a chicha (o processo de fermentação incluía a saliva humana). A cerâmica local tinha decoração cuidadosa e chegava a ser exportada para localidades nos Andes.
O Lidar revelou que o vale do Upano está coalhado de plataformas (em geral, retangulares), de terra batida. Em geral, elas medem cerca de 20 m por 10 m, com altura de até 3 m.
Costumam estar presentes em grupos de até seis plataformas em torno de um terreiro ou praça central, que muitas vezes também conta com sua própria plataforma. Mas há estruturas maiores. O maior conjunto do tipo ocupa cerca de 10 hectares (dez campos de futebol) e tem uma plataforma de 140 metros de comprimento e 4,5 m de altura.
Esses conjuntos costumam ser conectados por "ruas" em escala local e, além disso, em nível regional, núcleos de diferentes tamanhos são ligados por estradas de até 25 km de comprimento e 15 metros de largura. Mais interessante ainda, embora o terreno da região seja cheio de morros e depressões, o traçado das estradas foi feito para ser o mais reto possível.
O grupo encontrou ainda uma ampla rede de campos divididos por uma "grade" retangular (as divisões costumam ter 10 m por 40 m) e cercados por valetas e canais. A equipe de pesquisadores propõe que o sistema foi criado para organizar o plantio e facilitar o escoamento da água da chuva, que cai com frequência na região.
As conexões entre as diferentes localidades por meio da rede de estradas indicam que o sistema de monumentos e povoações ocupava boa parte da região ao mesmo tempo. Além disso, dizem os arqueólogos, os dados sugerem que eles foram construídos pelos povos da própria região, e não por imigrantes dos Andes. As datações obtidas pela equipe indicam que a civilização do rio Upano se manteve até pelo menos o ano 600 d.C. do nosso calendário. Ainda não está claro o que pode tê-la levado à decadência.
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