RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A delação do ex-policial militar Ronnie Lessa sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes fez com que as atenções se voltassem a Domingos Inácio Brazão, conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Rio de Janeiro). O envolvimento do político, que é ex-deputado estadual, é investigado pela Polícia Federal.
Desde outubro do ano passado, o inquérito sobre o assassinato da parlamentar tramita no STJ (Superior Tribunal de Justiça) devido as suspeitas de participação do conselheiro. Por ser integrante do TCE, Domingos tem direito a foro especial e, por isso, as investigações a seu respeito correm na instância superior.
Brazão nega categoricamente que tenha qualquer envolvimento com o crime.
Até o momento, duas delações já foram feitas para chegar ao mandante do crime: a de Lessa, que ainda não foi aceita pela Justiça e precisa ser homologada pelo STJ para ser considerada válida, e a de Élcio de Queiroz, parceiro do ex-PM no assassinato. Ambos estão presos sob acusação de serem, respectivamente, quem atirou em Marielle e quem dirigiu o carro na noite do crime.
Brazão passou a ser alvo das investigações após o acordo de colaboração de Queiroz, que também é ex-policial militar. Após a delação do réu confesso, os investigadores chegaram a novas informações que levam à participação do conselheiro -que já havia sido denunciado por suspeita de atrapalhar as investigações.
O político sempre negou as acusações. Em nota, seu advogado afirmou que não teve acesso aos autos do processo e que "as informações que tem sobre o caso foram obtidas por meio de matérias jornalísticas".
Segundo o site Intercept Brasil, Lessa apontou em sua delação Brazão como um dos mandantes da morte da vereadora.
Se for confirmado o depoimento do ex-PM, a defesa de Brazão só terá acesso ao processo após a colaboração de Lessa ser homologada. Até lá, as investigações correm em sigilo.
O acordo de Lessa foi negociado no final do ano passado. No STJ, a delação está a cargo do ministro Raul Araújo.
VEREADOR E DEPUTADO
Brazão se elegeu a um cargo público pela primeira vez em 1996, como vereador do Rio. Dois anos depois, foi eleito à Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), onde atuou por cinco mandatos como deputado estadual.
Em 2015, foi eleito com apoio de ampla maioria da Casa legislativa para se tornar conselheiro do Tribunal de Contas. Sua escolha, porém, chegou a ser questionada por não ter apresentado certidões cíveis, criminais nem eleitorais.
Na época, Brazão era réu em um processo sob suspeita de abuso de poder econômico, compra de votos através de centros sociais na zona oeste e conduta vedada a agente público. Ele já havia sido afastado de seu mandato, anos antes, por causa dessas denúncias, mas foi reconduzido ao cargo após uma liminar favorável de Ricardo Lewandowski, então ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
Entre os principais redutos eleitorais de Brazão está Rio das Pedras, o berço da milícia carioca. A sua influência na região fez com que ele fosse citado no relatório final da CPI das Milícias, em 2008. O ex-deputado nega ter envolvimento com as facções e os crimes investigados.
Brazão também já tinha sido acusado e depois absolvido de um homicídio, que ele mesmo já admitiu ter cometido. Ele falou sobre isso em plenário da Alerj, em meio a uma discussão com outra parlamentar que o acusava de ter feito ameaças.
"Matei, sim, uma pessoa. Mas isso tem mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos", disse na ocasião. "Foi um marginal que tinha ido à minha casa, no dia do meu aniversário. A Justiça me deu razão."
QUINTO DO OURO
Em 2017, Brazão voltou a estar na mira da Justiça. Ele foi preso temporariamente com outros quatro conselheiros do TCE na operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato no Rio. Ele até hoje responde pela suspeita de integrar um suposto esquema criminoso composto por membros do Tribunal de Contas para receber propina em cima dos contratos do estado.
Sua prisão o levou ao afastamento do cargo. Ele só voltou a ser conselheiro em maio do ano passado, após uma decisão favorável da Justiça do Rio.
Mesmo com retorno de Brazão ao TCE, em outubro, porém, o STF manteve a ação penal que investiga o suposto esquema de propina.
LIGAÇÕES NO CASO MARIELLE
Em relação ao caso da vereadora assassinada, Brazão foi citado no processo desde o primeiro ano das investigações, em 2018.
Marielle e Anderson foram mortos em 14 de março daquele ano, após o carro em que estavam ser atingido por tiros enquanto passava pelo Estácio, bairro da zona central do Rio.
O primeiro depoimento de Brazão no caso foi em 18 de junho. Ele foi convocado a falar à Delegacia de Homicídios, que investigava o caso na época. Ele já era suspeito de tentar atrapalhar o inquérito através de uma testemunha falsa.
Nesse depoimento, Brazão disse que teve conhecimento de quem era Marielle em dois momentos: "por ter sido a quinta vereadora mais votada e após sua morte", afirmou.
No ano seguinte, ele foi denunciado pela PGR (Procuradoria Geral da República) por obstrução de Justiça. Além dele, a denúncia focava em outras quatros pessoas, entre elas um delegado PF e um policial federal aposentado.
Uma das suspeitas atuais dos investigadores é de que Brazão mantenha contato entre o delegado e o policial aposentado, que foram apontados pela procuradoria como responsáveis por forçar denúncias falsas para atrapalhar o inquérito.
Nesse mesmo relatório da PGR -baseado em um inquérito assinado pelo delegado Leandro Almado, hoje superintendente da PF do Rio-, Brazão é apontado como suspeito de ser o autor intelectual do crime. Essa acusação se baseia nas conversas interceptadas dos suspeitos envolvidos no caso da falsa testemunha.
O relatório diz que Brazão é "efetivamente, por outros dados e informações que dispomos, o principal suspeito de ser o autor intelectual dos crimes contra Marielle e Anderson, o que deve ser objeto de criteriosa investigação por quem de direito".
A PGR, porém, não poderia pedir indiciamento do conselheiro, já que não investigava diretamente o caso. O que fazia na época, na verdade, era o que foi chamado de "investigação da investigação", isto é, revisava o processo judicial que era tocado pela Polícia Civil para avaliar se havia ocorrido algum desvio.
A denúncia, porém, não avançou no inquérito da Delegacia de Homicídio.
Já a suspeita de atrapalhar as investigações foi apresentada ao STJ em 2019, mas foi rejeitada. A justificativa apresentada pelo relator do caso, Raul Araújo, não entrava no mérito da acusação, mas alegava que o caso deveria tramitar na Justiça comum do Rio, pois Brazão estava afastado do TCE e não tinha mais o foro especial.
No ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio também rejeitou a denúncia, acolhendo um pedido do Ministério Público do estado. Na época, a promotoria considerou que o conselheiro não atuou para atrapalhar as investigações.
Após a delação de Élcio de Queiroz, Brazão volta a aparecer no caso. Ele é citado em uma troca de mensagem entre dois suspeitos de terem vazado a Ronnie Lessa e ao ex-PM informações sobre a operação que prendeu a dupla, em março de 2019.
"Recebi um informe agora que vai ter operação Marielle amanhã. Pelo que me falaram vão até prender Brazão e Rivaldo Barbosa", escreveu o filho de um delegado da PF.
Além do conselheiro, ele também cita o ex-chefe da Polícia do Rio, acusado de atrapalhar as investigações.
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