SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo) aprovou na segunda-feira (22) a abertura de um processo de estudo para tornar patrimônio imaterial do estado o culto ao santo popular Chaguinhas, figura de devoção da Capela dos Aflitos, no bairro da Liberdade.
Agora, uma análise extensa será feita por um corpo técnico que reúne historiadores, sociólogos e arquitetos e que, quando finalizado, receberá um parecer de um dos conselheiros. Depois, será enviado para deliberação do Condephaat.
Chaguinhas, como era conhecido Francisco José das Chagas, foi um militar negro condenado à morte em 1821 por ter liderado um motim por pagamento de salários, em Santos. Às vésperas da Independência, foi levado ao então Largo da Forca, onde hoje fica a praça da Liberdade.
Segundo relatos registrados pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, a corda que mataria Chaguinhas arrebentou duas vezes. O público que aguardava a execução então pediu clemência às autoridades, acreditando que a salvação seria obra divina.
O pedido foi negado, e Chaguinhas morreu na terceira tentativa de enforcamento. Embora não tenha sido canonizado, o ex-militar é dito milagreiro. Seus devotos acreditam que antes de morrer ele pernoitou na Capela dos Aflitos, igrejinha que restou na Liberdade do primeiro cemitério público da capital paulista, destinado ao sepultamento de indigentes, escravizados e indígenas.
O local onde Chaguinhas teria sido trancado se transformou no velário do templo. Na porta de madeira que divide o espaço, fiéis costumam dar três batidas e depositar bilhetes com pedidos de ajuda e agradecimento.
Os devotos se encontram mensalmente para orar um terço para o santo. A capela está fechada desde dezembro para reforma, mas o rito continua acontecendo na Igreja de Santa Cruz das Almas e dos Enforcados, em frente ao largo.
O pedido de reconhecimento da adoração a Chaguinhas foi feito em 2019 por membros da Associação dos Amigos da Capela dos Aflitos, a Unamca, que reivindicava o restauro do templo desde 2018, após a demolição de um sobrado vizinho fazer com que novas rachaduras aparecessem na igreja.
A obra daria lugar a um centro comercial, mas tinha irregularidades, que foram denunciadas pelo grupo. Como o lugar fazia parte de uma área de interesse arqueológico do município, o Condephaat e o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) exigiram a prospecção do solo.
A escavação revelou ossadas de nove indivíduos, duas delas com materiais ligados a religiões de matriz africanas, principalmente ao culto a Ogum. Com isso, a área foi cadastrada como sítio arqueológico pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Após pressão do movimento negro, o então prefeito Bruno Covas sancionou, em janeiro de 2020, uma lei que prevê no local a criação de um memorial que resgata a história dos negros e negras que viveram na Liberdade durante o período da escravidão.
O terreno foi desapropriado pela Justiça em setembro de 2022, e a Secretaria Municipal de Cultura realizou no fim do ano passado um concurso para eleger o projeto arquitetônico do memorial.
Para Eliz Alves, 59, coordenadora da Unamca, o registro do culto como patrimônio imaterial é um reconhecimento não só da popularidade de Chaguinhas, mas também da resistência dos excluídos. "É uma reparação ao mártir", diz.
Na avaliação de Marcos Monteiro Rabelo, conselheiro representante do Iphan e autor do parecer preliminar do processo, o reconhecimento do culto pelo estado é importante também porque há um grupo significativo de pessoas que reconhece a tradição como referência cultural. "É memória, é identidade e representa muito esse grupo que batalha para ser colocado no discurso oficial da história", diz.
O movimento dos devotos tem contribuído para popularizar a história de Chaguinhas. No último Carnaval de São Paulo, Chaguinhas foi homenageado pelo samba-enredo da escola Mocidade Unida da Mooca.
Em 2020, a deputada Leci Brandão (PCdoB) apresentou na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) um projeto de lei para declarar o culto como patrimônio cultural. Na Câmara Municipal, outro projeto, proposto em outubro do ano passado pela vereadora Jussara Basso (PSOL), busca instituir a data de 20 de setembro, dia da execução, como "dia de culto a Chaguinhas".
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