RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio), Domingos Brazão diz estar tranquilo diante das citações de seu nome no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O ex-deputado, que tem uma longa trajetória na política do Rio de Janeiro, é um dos alvos do inquérito da Polícia Federal que investiga o mandante do crime.
Agora, Brazão aparece arrolado na nova etapa das investigações que surgem após a delação do ex-policial militar Ronnie Lessa, apontado como o assassino da vereadora e do motorista. O acordo de colaboração ainda precisa ser homologado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde o caso tramita em sigilo.
O inquérito subiu para a instância federal em outubro passado, devido às suspeitas dos investigadores da participação do conselheiro no assassinato. Como integrante do TCE, Brazão tem direito a foro especial e, por isso, não pode ser investigado pela Justiça comum.
Brazão nega que tenha qualquer envolvimento com o crime e diz não ter nenhum conhecimento sobre a delação de Lessa. Ele pediu, por meio de seu advogado, acesso aos autos do processo, mas afirma que a solicitação foi negada.
O conselheiro diz já ter sido alvo das investigações ao longo dos quase seis anos desde que Marielle foi morta.
Marielle e Anderson foram assassinados a tiros em 14 de março de 2018, quando voltavam para casa e passavam pelo Estácio, bairro central do Rio. Brazão foi ouvido pela Polícia Civil semanas depois, em 18 de junho, sob suspeita de tentar atrapalhar o inquérito.
"Se tem alguém que já foi investigado nesse processo, chama-se Domingos Brazão", afirma.
"Depois da família da Marielle, posso te garantir que eu e a minha família somos os maiores interessados na elucidação desse caso".
Em entrevista à Folha, Brazão diz confiar fielmente nas investigações, mas afirma que apontar uma autoridade pública como responsável pelo crime é uma tentativa de atrair mais atenção do público. É, em suas palavras, algo para "sair da mesmice".
"Pode ser que, por parte até da imprensa, do Ministério Público e de alguns, fosse bacana encontrar uma autoridade [culpada]. Porque sai daquela mesmice dos PMs malucos. Com todo respeito à polícia do Rio de Janeiro, uma instituição bicentenária, mas infelizmente há inúmeros casos de membros da Polícia Militar que se envolvem nesses tipos de ocorrência", afirma.
"Porque se tem uma autoridade [envolvida], um conselheiro, de família de deputados, fica mais gostoso, fica uma repercussão maior. Mas, para tristeza de alguns, não conseguiram e não vão conseguir, porque não há esse tipo de envolvimento", diz Brazão, sem especificar quem seriam esses "alguns" citados por ele.
O político afirma que, se ele estiver mesmo citado na delação de Lessa, é porque o ex-policial estaria tentando proteger alguém.
O conteúdo da colaboração ainda não se tornou público, mas, segundo o site Intercept Brasil, Lessa teria apontado Brazão como um dos mandantes da morte da vereadora.
"[Se Ronnie tiver mencionado Brazão], vai abrir outra porta para a Polícia Federal que é descobrir quem eles querem proteger. Será que ele faria isso só para ter alguns benefícios ou ele quer proteger alguém?", questiona o conselheiro, que também afirma que tomará medidas cabíveis contra a publicação do site.
Brazão estipula ainda um outro cenário: o dos investigadores verem uma brecha, já que o caso está no STJ, para que o conselheiro seja investigado mais uma vez. Ele dá como justificativa a desconfiança da PF nas forças investigativas do estado.
"Se a Polícia Federal se aproveitou disso [o caso ter subido ao STJ] para me investigar novamente, é uma outra coisa. Mas não tenho problema nenhum com isso. O fato é que a Polícia Federal claramente não confia na Polícia Civil no Rio de Janeiro e quis levar o caso para que eles pudessem estar legitimados a investigar", diz.
O ex-deputado chegou a ser investigado pela Polícia Civil e pela PF por suspeita de forjar um testemunha e atrapalhar o inquérito. A PGR (Procuradoria-Geral da República) enviou uma denúncia ao STJ sobre a tentativa de obstrução, mas ela não foi aceita pelo tribunal, que argumentou não ter a competência adequada para julgá-la. Na época, o conselheiro estava afastado do TCE e tinha perdido sua prerrogativa de foro.
A denúncia foi, então, enviada à Justiça do Rio, que também a rejeitou, acolhendo um pedido do Ministério Público. A Promotoria considerou que o conselheiro não atuou para atrapalhar as investigações.
Brazão nega que tenha recebido qualquer tipo de ajuda no processo: "Eu não posso acreditar que todas essas autoridades e esses servidores tenham colocado em risco as suas carreiras, as suas funções, para me proteger".
"Eles me investigaram esse tempo todo e nunca me deram sequer acesso [aos autos]. A resposta era que eu não fazia parte do inquérito e, por isso, não eram obrigados a me franquear acesso", completa o conselheiro.
Além da delação de Lessa, há outro acordo de colaboração que ajudou a destravar as investigações: o do parceiro do ex-PM no crime, Élcio de Queiroz. Ele, que também é ex-policial, admitiu a participação no assassinato e passou colaborar com os investigadores no ano passado.
Na delação Queiroz, Brazão voltou a aparecer no caso. Ele é citado em uma troca de mensagem entre dois suspeitos de terem vazado à dupla de assassinos informações sobre a operação que prendeu os dois, em março de 2019.
"Recebi um informe agora que vai ter operação Marielle amanhã. Pelo que me falaram vão até prender Brazão e Rivaldo Barbosa", disse o filho de um delegado da PF em uma conversa interceptada pelos investigadores. Além do conselheiro, ele cita o ex-chefe da Polícia do Rio, acusado de atrapalhar as investigações.
Brazão nega ter relação com demais suspeitos de envolvimento no crime. "Eu não conhecia a vereadora Marielle, muito menos o Anderson. Eu também não conhecia esses personagens, Lessa, Élcio de Queiroz. Graças a Deus, eu nunca os vi, nunca nos apresentaram, não sei quem é."
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