SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No último ano, a notícia de um sexto caso de remissão do HIV (vírus da imunodeficiência humana) no mundo trouxe esperança para pacientes e médicos, mas também suscitou dúvidas sobre os riscos envolvidos no procedimento.

Isto porque, assim como nos cinco casos anteriores, a remissão do vírus causador da Aids ocorreu depois de um transplante de medula óssea para tratamento de um câncer sanguíneo. Ao receber a medula óssea de um doador, o paciente conseguiu produzir novas células imunológicas livres do vírus, confirmado mais de um ano após o anúncio da remissão.

Vale notar que remissão é quando não há mais o foco do vírus no organismo, enquanto a cura é quando a remissão permanece por cinco anos após a terapia.

Mas e o que acontece com portadores do vírus que não têm câncer de sangue? Estamos ainda distantes de uma cura para o HIV?

Segundo o virologista espanhol Asier Saez-Cirion, pesquisador do Instituto Pasteur, na França, é importante ressaltar que existem diversos casos de pacientes com níveis considerados indetectáveis do HIV, e os estudos sobre esses casos podem ajudar a chegar mais próximo da tão esperada cura.

"Os casos de remissão após transplante são espetaculares, mas temos também remissão em pacientes que ficam meses sem o tratamento antirretroviral e permanecem indetectáveis por anos. Há centenas de casos assim, e estamos investigando quais são suas características para compreender melhor a remissão do vírus", disse ele, em entrevista à Folha de S.Paulo no final de novembro a partir de seu laboratório em Paris.

Uma das linhas de pesquisa em andamento no Pasteur é de pessoas que vivem anos com o HIV indetectável sem necessidade de tratamento. "Comparamos os três grupos de remissão em um ensaio clínico: aqueles que receberam transplante de medula óssea, indivíduos que naturalmente controlam a infecção [por HIV] e finalmente pessoas que conseguem manter o vírus indetectável anos após a interrupção do tratamento. E ainda estamos tentando entender os mecanismos por trás do controle natural da infecção", disse, completando que o estudo ainda está em andamento.

Os pacientes que recebem transplante de medula têm, em geral, uma vantagem porque não só eles eliminam todas as células infectadas do organismo como também impedem a infecção de novas células, caso algumas cópias de vírus estejam dormentes em células e não possam ter sido eliminadas.

Isso ocorreu em 5 dos 6 casos porque os doadores carregavam uma mutação conhecida como delta 32 do gene CCR5, que impede a entrada do HIV nas células. O gene CCR5 age como um receptor do HIV na superfície celular, mas tal variante impede essa ligação, por isso ela acaba com a infecção.

O sexto caso não continha essa mutação --nesse caso, é provável que o transplante deu conta de eliminar todas as células infectadas. Os cientistas agora esperam conseguir criar uma terapia gênica para modificar o gene nas pessoas sem a necessidade de transplante, o que poderia ampliar o acesso ao tratamento.

"Sabemos agora que as pessoas podem viver normalmente carregando essa mutação, é uma boa pista de pesquisa para tentar um método eficaz de remissão natural", explica.

Além dos casos envolvendo terapia gênica e transplante de medula, Saez-Cirion lembra que há outras formas de reduzir a viremia do HIV no organismo, conseguindo alcançar um estado em que o vírus não causa doença e não pode ser passado para outros.

Um destes é por meio do tratamento precoce com o coquetel antirretroviral. "Sabemos hoje também que quanto antes o paciente começa o tratamento antiviral, em 5% a 6% das pessoas elas se tornam controladas no restante da vida. O controle do HIV significa exatamente isso, não desenvolver, não transmitir, basicamente, não ter sinal do vírus. Então agora estamos investigando o que estes indivíduos têm em comum, se há algo neles que pode indicar uma possível cura", disse.

A capacidade de instruir o sistema imune, em particular as células conhecidas como NK (matadoras naturais), a identificar e atacar precocemente o HIV pode estar por trás desse sucesso. "Em parte destes indivíduos encontramos traços genéticos associados à instrução das células matadoras, e agora estamos desenvolvendo um ensaio clínico para comprovar essa associação. Se isso for verdade, então será possível pensar em terapias-alvo para ajudar o sistema imune de pessoas que não controlam o vírus a combatê-lo de maneira mais eficaz", afirma.

Uma outra frente de estudo é o uso de células CAR-T, que são células do sistema imune modificadas geneticamente fora do corpo e depois reintroduzidas para atacar o invasor.

O pesquisador afirma que nos últimos 40 anos, porém, o conhecimento e tratamento de HIV/Aids evoluíram muito, principalmente aumentando a sobrevida dos pacientes. Terapias gênicas, imunoterapia, transplante de medula óssea, drogas antirretrovirais e até CAR-T são formas de combate ao vírus durante ou após a infecção inicial. Existem também terapias que ajudam a impedir a infecção, como a PrEP (profilaxia pré-exposição).

Já as vacinas anti-HIV estão ainda distantes, lembra o virologista, muito por causa da complexidade do vírus, uma vez que um mesmo indivíduo pode carregar dezenas de variantes distintas do invasor. Como as vacinas têm em sua formulação partes do vírus ou o vírus inteiro inativado, as diferentes cópias do vírus no organismo conseguiriam escapar da proteção. "Há alguns grupos de pesquisa investigando vacinas de mRNA que induzem resposta protetora por anticorpos neutralizantes, mas eles são muito raros, e mais complicados."


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