SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Estela Araújo, 20, preparava o macarrão instantâneo do primeiro almoço na sua nova casa, no último dia 8. Ela tinha acabado de se mudar para um dos 186 apartamentos cedidos pela CDHU (companhia estadual de habitação) no sertão de Maresias para desabrigados pelas chuvas extremas que há um ano atingiram São Sebastião, no litoral norte paulista.

O conjunto fica a 25 km da sua antiga casa em Juquehy, onde em 19 de fevereiro do ano passado ela sobreviveu aos desmoronamentos que fizeram sumir casas vizinhas onde viviam amigos e parentes. Ela perdeu um primo de 22 anos, a esposa dele, que estava grávida, e a filha de 2 anos do casal.

Estela também estava grávida da sua filha Ágata Sofia, hoje com 8 meses. Acompanhada da mãe e de outros dez familiares, rezou em voz alta enquanto tudo ao redor desabava. "Não dava para enxergar, só ouvíamos o barulho quando corremos no escuro para dentro da minha casa."

Ela afirma que, desde a tragédia, convive com tremores, choro repentino e desmaios, mas sem receber atendimento do serviço público de saúde. "Tenho crises de ansiedade, e sabe o que eu tomo? Dipirona. Estou vivendo à base do efeito do remédio", diz ela sobre o medicamento com propriedades analgésicas, entre outras.

Quando procurou o pronto-socorro em Bertioga, município vizinho ao local onde morou provisoriamente após a catástrofe, foi orientada a buscar o serviço em São Sebastião, seu endereço oficial. "Eu não tinha condições", conta.

Faxineira, ela ficou sem renda devido à distância do trabalho em Juquehy. "Tem dias que a gente come arroz, tem dias que não dá. O Cremogema da minha filha é minha mãe quem compra."

Depois de chegar a anunciar que as 704 casas destinadas às vítimas das chuvas deveriam ser pagas conforme as regras de financiamento da CDHU, no valor de 20% da renda familiar, a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) desistiu da cobrança.

Mas, para quem não tem renda, a necessidade de pagar contas de serviços como água e luz traz aflição. "Estamos vivendo pela misericórdia de Deus", comenta a jovem.

Só 4 dos 12 prédios do conjunto de Maresias tinham sido ocupados quando a Folha de S.Paulo esteve no local. Romeu dos Santos, 63, também havia acabado de chegar a uma unidade no piso térreo.

Hoje desempregado, ele conta que trabalhava informalmente em Juquehy, onde morava, com a coleta de entulho da construção civil. Com a chuva, perdeu a casa no bairro onde nasceu, a renda e um pouco da sua história, ele diz. "Eu preferia ter ficado lá. Tenho uma história, são mais de 60 anos, não são dois dias", lamenta.

Procurada, a Prefeitura de São Sebastião afirma que o atendimento psicológico pode ser solicitado na unidade de saúde mais próxima à residência do morador. Quanto à empregabilidade e renda, diz ter criado um programa emergencial de auxílio ao desemprego com 300 vagas aos atingidos.

Nesta segunda (19), o governo paulista entregará o conjunto habitacional na Baleia Verde, com 518 unidades. É o mais próximo da Vila Sahy, bairro que concentrou a maior parte das 64 mortes de São Sebastião.

Assim como em Maresias, o conjunto será ocupado aos poucos. A construção que utiliza uma tecnologia de paredes estruturais de madeira cobertas com placas de cimento, chamada de "wood frame", levou seis meses além do previsto para ser concluída. Além disso, na semana passada ainda havia obras de paisagismo a serem concluídas no local.

Conjunto da CDHU com 518 unidades contruído em Baleia Verde, em São Sebastião, a ser inaugurado nesta segunda (19) pelo governador Tarcísio de Freitas Rubens Cavallari/Folhapress Imagem aérea mostra conjunto de prédio com a serra do mar ao fundo **** A auxiliar administrativo Lydia Santos Lopes, 43, é uma das moradoras que têm direito a uma unidade, mas ainda não sabe se aceitará o imóvel.

Ela teme pela segurança da construção de madeira erguida sobre uma área alagadiça, cujas obras de preparo do solo e drenagem foram apontadas como um dos principais motivos para o atraso na entrega. O governo também alega que obras deste porte costumam demorar 36 meses.

"Eu me preocupo com o material porque, apesar de falarem que é de primeiro mundo, acaba sendo desconhecido para a gente", diz.

Procurados pela reportagem, o governo estadual e a construtora Tecverde, que executou a obra, afirmam que a estrutura é segura.


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