SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou nesta quarta-feira (21) um projeto de lei que obriga as plataformas de internet a removerem conteúdo que viola direitos de crianças e adolescentes, sob pena de multas que podem chegar a R$ 50 milhões.

O projeto não especifica as violações, mas entre elas estariam abuso e exploração sexual, violência, intolerância religiosa e racismo.

O PL 2628, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), também obriga as big techs a oferecerem aos pais e responsáveis ferramentas de controle parental que restrinjam a capacidade de outros indivíduos se comunicarem com crianças e adolescentes pelos aplicativos ou jogos.

O texto determina ainda que, por padrão, sejam limitados os recursos das plataformas que podem estimular o vício em telas como "reprodução automática de mídia, recompensas pelo tempo de uso, notificações e outros recursos que possam resultar em uso compulsivo do produto ou serviço por criança ou adolescente".

O projeto teve requerimento de urgência aprovado e segue agora para a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática (CCT), em caráter terminativo --ou seja, não precisará passar pelo plenário até chegar à Câmara dos Deputados.

"Acredito que haverá grande apoio na Câmara: a bancada conservadora não vai querer se posicionar contra um projeto em prol de crianças e adolescentes e preferir defender empresas bilionárias", diz Vieira.

Na visão das empresas, o projeto de lei cria novas obrigações para as big techs que violam o Marco Civil da Internet, principal lei que regula o setor no Brasil. A norma, de 2014, estabelece que empresas só podem ser punidas civilmente por conteúdo de terceiros se não removerem após ordem judicial, a não ser nos casos de nudez não consentida ou violação de propriedade intelectual.

O projeto de Vieira estabelece que as empresas devem retirar do ar o conteúdo que viola os direitos de menores de idade assim que receberem denúncias, "independentemente de ordem judicial". Segundo o projeto, "notificados acerca de violações aos direitos de crianças e adolescentes", os provedores devem oficiar o Ministério Público.

As companhias argumentam que não fica claro como funcionará o mecanismo de denúncias.

"Temos que aprender a deixar para trás o tempo romântico do Marco Civil, quando se achava que a internet era neutra; a internet é como qualquer outro segmento econômico e precisa ser regulada", diz o senador.

A iniciativa de regular o ambiente digital para crianças e adolescentes ocorre ao mesmo tempo em que o tema está no topo das discussões mundiais. Nos Estados Unidos, onde o Congresso discute a legislação Kosa (Kids Online Safety Act), o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi acusado em audiência púbica de ter sangue em suas mãos por causa dos casos de suicídio entre adolescentes e exploração sexual de crianças e jovens possibilitados pelas redes sociais. Diversos estados americanos estão processando a Meta, dona do Facebook e Instagram.

Para entidades da sociedade civil no Brasil, a tramitação do projeto de lei está se dando de forma apressada. Em nota, a Coalizão Direitos na Rede criticou a "falta de abertura para debates mais amplos". Mas elogiou o dispositivo que proíbe a perfilização de crianças e adolescentes para direcionamento de publicidade.

"O perfilamento para fins comerciais é uma prática invasiva que compulsivamente registra e analisa os hábitos de interação com as tecnologias para tentar prever o desejo do consumidor e oferecer itens aos quais ele seja mais propenso a comprar, tornando muito mais difícil a resistência à publicidade."

Uma medida semelhante é parte da Lei de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês) que está em vigor na União Europeia. O texto de Vieira também prevê relatórios de transparência sobre denúncias de violações, a exemplo da DSA.

O texto não define o órgão que iria fiscalizar o cumprimento da lei, deixando em aberto a possibilidade de o Executivo criar uma agência reguladora ou ampliar escopo de alguma existente, como a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

"A lei é muito bem-vinda, pois se propõe a proteger os direitos das crianças na internet e a responsabilizar desenvolvedores e fornecedores; há muitos aspectos positivos, como a vedação da perfilação de crianças, a coleta invasiva de dados, restrições aos chamados 'padrões enganosos', que podem viciar os usuários", diz Maria Mello, coordenadora de programas do Instituto Alana.

PROPOSTA APRESENTA LACUNAS

Para atender às regras, provedores de redes sociais deverão aprimorar continuamente seus mecanismos de verificação de idade para identificar contas operadas por crianças. Mas o controle desse tipo de acesso é falho, e que medidas de verificação muito invasivas podem implicar violação de privacidade.

O projeto também determina que as big techs adotem "medidas razoáveis" no desenho e na operação de seus produtos para impedir "exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes", bullying e assédio virtual, conteúdo relacionado a suicídio e transtornos alimentares, promoção e comercialização de narcóticos e bebidas alcoólicas e práticas publicitárias predatórias, injustas ou enganosas, entre outros.

O texto, no entanto, não explica o que seriam "medidas razoáveis".

"O Brasil segue com a iniciativa a tendência mundial de regulação da internet pela proteção de crianças. Pode-se ser contra e mover montanhas para não regular fake news, mas quem seria contra proteger crianças no meio digital?", diz Ricardo Campos, docente na Goethe-Universität, na Alemanha, que colaborou na elaboração do projeto.


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