LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Desde o começo da invasão da Ucrânia pela Rússia, que completa dois anos neste sábado (24), as cinco maiores companhias de petróleo do mundo --Shell, BP, Chevron, ExxonMobil e TotalEnergies-- já lucraram mais de US$ 281 bilhões (R$ 1,4 trilhão).
Declarado por cientistas como o ano mais quente da história da humanidade, 2023 também foi de recordes na remuneração dos acionistas dessas empresas, que embolsaram US$ 111 bilhões (R$ 554 bilhões).
O montante distribuído representa 158 vezes o valor prometido às nações mais vulneráveis às mudanças climáticas durante a COP28 (convenção do clima da ONU), em dezembro. O chamado fundo de perdas e danos conseguiu reunir US$ 700 milhões na conferência em Dubai.
Ao todo, desde que o conflito começou, as cinco grandes petroleiras distribuíram cerca de US$ 200 bilhões (R$ 996 bilhões) aos seus acionistas.
As cifras foram reunidas em um novo relatório da organização não governamental Global Witness, que evidenciou que os lucros das empresas de combustíveis fósseis foram turbinados pela guerra.
Em termos gerais, o conflito na Europa abalou as cadeias globais de abastecimento e fez disparar o preço da commodity, provocando ainda um efeito cascata que pressionou a inflação em diversos setores, com destaque para os transportes e para os bens alimentares.
"A invasão da Ucrânia pela Rússia foi devastadora para milhões de pessoas, desde os ucranianos comuns que vivem sob a sombra da guerra até as famílias de toda a Europa que lutam para aquecer as suas casas", disse Patrick Galey, pesquisador sênior de combustíveis fósseis da Global Witness.
"Esta análise mostra que, independentemente do que aconteça nas linhas de frente, as grandes empresas de combustíveis fósseis são as principais vencedoras da Guerra da Ucrânia. Acumularam uma riqueza incalculável graças à morte, à destruição e à escalada dos preços da energia", completou.
As britânicas Shell e BP lucraram, juntas, cerca de US$ 94,2 bilhões (R$ 469,2 bilhões) desde o começo da guerra. De acordo com o levantamento da Global Witness, esse valor permitiria pagar as despesas de eletricidade de todos lares do Reino Unido durante 17 meses consecutivos.
Já a francesa TotalEnergies distribuiu cerca US$ 15 bilhões (R$ 74,8 bi) aos acionistas, o que, de acordo com o relatório, cobriria com folga prejuízos causados pelas tempestades e secas na França em 2022.
Organizações ambientais consideram ainda que o aumento nas receitas associadas aos combustíveis fósseis pode estar contribuindo para diminuir a disposição das empresas em relação à transição energética.
Em 2023, a Shell anunciou que voltaria atrás em seu compromisso para reduzir a extração de petróleo entre 1% e 2% por ano nesta década, além de ter planos de dispensar cerca de 200 funcionários relacionados às energias verdes. Desde o começo da guerra, a empresa britânica teve lucro de US$ 58,9 bilhões (R$ 293,5 bi).
A mudança de rumo não foi exceção. Apesar dos apelos globais pela redução de gases-estufa, a BP reduziu seu compromisso voluntário de emissões em 2023.
A gigante britânica havia sido pioneira entre as grandes petrolíferas ao publicar um roteiro claro para a transição energética. Além de adotar o slogan "além do petróleo", a empresa divulgara um plano de redução de emissões de mais de 35% até o fim da década. Agora, o corte deve ficar entre 20% e 30% no mesmo período.
Os lucros recentes do setor de petróleo, acompanhados de dividendos generosos para seus acionistas, também têm feito minguar o apoio às iniciativas de descarbonização entre os detentores de papéis das empresas.
"As resoluções dos acionistas que exigem que as empresas alinhem as suas atividades comerciais com os compromissos do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas obtiveram menos apoio em 2022 do que em 2021. No caso da Shell, por exemplo, tal resolução do grupo ativista de acionistas holandês Follow This obteve apenas 20% dos votos, em comparação com 30% um ano antes", destacou uma reportagem do Washington Post.
Entre os acionistas da Chevron, em 2022, a proposta do grupo teve o apoio de apenas um terço dos acionistas, enquanto, um ano antes, uma iniciativa semelhante obtivera suporte de 61% deles.
Com lucro combinado de US$ 136 bilhões desde o começo do conflito na Ucrânia, as norte-americanas Chevron e a ExxonMobil reforçaram os investimentos na extração de petróleo.
Ambas as companhias fizeram aquisições que farão com que suas emissões tenham um aumento conjunto de 20%. Segundo a Global Witness, isso significa que, anualmente, as companhias terão mais emissões de carbono do que Brasil, Espanha e Austrália juntos.
Os lucros das empresas petrolíferas já motivaram críticas do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que acusou a indústria de "lucrar com a guerra".
Os mais recentes relatórios do IPCC (painel de especialistas do clima da ONU) deixaram clara a necessidade de uma redução expressiva das emissões de gases-estufa para conseguir limitar o aquecimento global e suas piores consequências para a humanidade.
Apesar da valorização recente do petróleo, as previsões da Agência Internacional de Energia, vinculada à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), indicam que a bonança do setor pode não durar muito.
O último relatório da entidade, publicado em outubro de 2023, projeta que a demanda por combustíveis fósseis --carvão, petróleo e gás-- deve atingir um pico em 2030, caindo a partir de então.
"A transição para a energia limpa está acontecendo em todo o mundo e é imparável. Não é uma questão de 'se', é apenas uma questão de 'quando'. E, quanto mais cedo, melhor para todos nós", disse o diretor executivo da agência, Fatih Birol.
"Governos, empresas e investidores precisam apoiar as transições para energias limpas, em vez de impedi-las. Existem imensos benefícios em oferta, incluindo novas oportunidades industriais e empregos, maior segurança energética, ar mais limpo, acesso universal à energia e um clima mais seguro para todos."
Para ele, "tendo em conta as atuais tensões e volatilidade nos mercados energéticos tradicionais, as alegações de que o petróleo e o gás representam escolhas seguras ou protegidas para o futuro energético e climático do mundo parecem mais fracas do que nunca".
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