BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Inquérito da Polícia Federal aponta que a vereadora do PSOL Marielle Franco foi assassinada "por ser vista como um obstáculo aos interesses" dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão.
Os investigadores cruzaram relatos do ex-policial Ronnie Lessa, suspeito de ser o executor do crime e que fechou delação premiada sobre o caso, com dados sobre a atuação política da ex-vereadora e de supostas atividades criminosas dos irmãos Brazão, principalmente relacionadas a milícia e grilagem de terras.
"Pelos fatos retratados na colaboração premiada de Ronnie Lessa, o motivo determinante de sua morte estaria relacionado a uma questão desempenhada de maneira mais discreta pelo seu mandato parlamentar, qual seja: a defesa do direito à moradia", afirma trecho do relatório de cerca de 500 páginas da PF.
"Reputam-se verossímeis as declarações sobre a animosidade dos Irmãos Brazão em face dos políticos do PSOL", diz o relatório.
A polícia destaca divergência entre Marielle e Chiquinho Brazão na discussão na Câmara de Vereadores do Rio sobre projeto de lei "idealizado para flexibilizar regras de regularização [de terras]".
"Aqui impende destacar que esse cenário recrudesceu justamente no segundo semestre de 2017, atribuído pelo colaborador como sendo a origem do planejamento da execução ora investigada, ocasião na qual ressaltamos a descontrolada reação de Chiquinho Brazão à atuação de Marielle na apertada votação do PLC n.º 174/2016", diz ainda a PF.
Os agentes ainda apontam "diversos indícios" de envolvimento dos irmãos com milícia e grilagem de terras. "Por fim, ficou delineada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária e defesa do direito à moradia".
"Deste modo, não obstante a escassez de provas diretas decorrentes da natureza clandestina das tratativas que Ronnie Lessa alega ter mantido com Domingos e Chiquinho Brazão, é possível inferir que suas declarações sobre o motivo que teria ensejado a morte da vereadora Marielle Franco se mostram verossímeis diante dos dados e indícios ora apresentados."
Na representação entregue ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a PF afirmou que "o crime foi cometido mediante motivação torpe, ante a repugnância dos irmãos Brazão em relação à atuação política de Marielle Franco e de seus correligionários em face dos seus interesses escusos".
A polícia também afirma que as negociações para o crime foram feitas de maneira clandestina, "durante breves encontros em local deserto", e que este cenário comprometeu a confirmação "do acordo fatal e de sua respectiva motivação". "Assim, resta apenas a avaliação da aparente veracidade para a valoração das informações fornecidas por aquele que perpetrara a vítima", escreveu a PF.
Em entrevista à imprensa neste domingo (24), o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, disse que a investigação sobre os mandantes, intermediários e executores do crime está encerrada.
A declaração foi feita horas após a PF prender o atual deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ), o conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Rio Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil no Rio.
Eles são apontados como mandantes do assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
O chefe da PF também disse que a motivação do assassinato precisa "ser olhada no contexto". "Não podemos dizer que houve um único e exclusivo fato."
"São várias situações que envolvem a vereadora e levaram esse grupo de oposição [a cometer o crime]. O ministro falou da questão política que envolve essa situação, envolve também milícia, disputa de territórios, e que naquele contexto é importante. Vou sempre frisar, fazemos essa análise olhando há seis anos, onde havia essa disputa e que culminou com esse bárbaro assassinato, que projetou a situação caótica do Rio de Janeiro", disse ele.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) também apontou como possível motivação do crime a atuação política de Marielle.
O parecer do órgão afirma que testemunhas foram "enfáticas" ao apontar que a atuação política da vereadora "passou a prejudicar os interesses dos irmãos Brazão no que diz respeito à exploração de áreas de milícias".
"A vereadora não escondia o seu entendimento de que as iniciativas de regularização fundiária pela caracterização de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) seriam adequadas para atender aos interesses dos segmentos sociais que mais sofrem com o déficit habitacional existente no Rio de Janeiro. No entanto, tais instrumentos teriam sido empregados de forma distorcida pelos irmãos Brazão, apenas para viabilizar a exploração econômica de espaços territoriais que, não raro, eram dominados por milicianos", afirma a PGR.
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