SALVADOR, BA, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Desde o primeiro turno, diversos vídeos, dados descontextualizados e informações falsas têm sido divulgados em grupos bolsonaristas como "provas" de que as eleições teriam sido fraudadas.

Uma das mais recentes teorias conspiratórias que dão uma nova toada à narrativa de fraude seriam localidades em que o candidato Jair Bolsonaro (PL) não recebeu nenhum voto.

De fato, houve seções eleitorais pelo país em que apenas 1 dos 2 candidatos recebeu votos. Ao todo foram 143 seções onde apenas Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve votos e 4 em que só Bolsonaro foi votado.

Este não é um caso isolado e já aconteceu em pleitos anteriores. A reportagem analisou o resultado do segundo turno desde 2002, com base em dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e isso ocorreu em todos os anos, para os dois candidatos que disputavam.

Em 2018, quando Bolsonaro saiu vitorioso, ele teve todos os votos em 4 urnas do país, enquanto Fernando Haddad (PT) foi o único votado em 328. Em comparação a 2018, portanto, a quantidade de urnas que tiveram apenas voto em candidato do PT diminuiu. Já em 2014, foram 11 urnas com votos só em Aécio Neves (PSDB) e 192 apenas para Dilma Rousseff (PT).

As seções em que apenas Lula foi votado neste ano representam uma porcentagem ínfima do total de urnas do país: 0,03% -cada seção eleitoral possui uma urna. Ao todo 16.455 votos foram obtidos pelo petista nessas seções, o que corresponde a 0,77% dos mais de 2,1 milhões de votos que Lula e Bolsonaro tiveram de diferença no segundo turno.

A maioria (55%) das seções em que apenas um dos candidatos recebeu votos teve menos de 100 pessoas votando. A média nessas urnas foi de 116 eleitores. Para efeito de comparação, a seção mais movimentada na cidade de São Paulo teve 429 pessoas votando no segundo turno.

Neste ano, das 143 seções em que Lula foi votado, 118 ficam no Nordeste ou no Norte do país, sendo que muitas delas em áreas com grande presença indígena e quilombola.

O destaque fica com o estado do Maranhão, onde Lula foi o único votado em 47 urnas. No estado do Amazonas foram 23 urnas em que apenas o petista foi votado; 7 delas, por exemplo, ficam em São Gabriel da Cachoeira, e 4, em Atalaia no Norte, localidades com forte presença indígena.

A título de comparação, em 2018, Fernando Haddad foi o único votado em 92 seções do Maranhão e em 47 seções no Amazonas, valores superiores aos registrados neste ano. As quatro seções eleitorais em que Bolsonaro foi o único votado em 2018 foram nos estados do Acre, Pará e Rio Grande do Sul, além de uma urna em Concepción, no Paraguai.

Nas eleições deste ano, Bolsonaro foi o único a ser votado em duas seções eleitorais em Caracas, Venezuela, com 5 votos em uma delas e 1 na outra.

Já em Cuba, Lula foi o único votado em uma seção com 32 votos, assim como em uma urna de Puerto Iguazú no Paraguai, onde teve 5 votos.

No estado de São Paulo, foram quatro urnas em que apenas Lula teve votos, em todas elas a quantidade de votantes foi pequena: 10, 14, 32 e 89, respectivamente, nos municípios de Guarulhos, Franca, Mauá e Osasco.

Por outro lado, uma mesma seção eleitoral no Pará, no município de Chaves, dá 0 votos para o PT desde 2014 na eleição presidencial -neste ano, 39 eleitores votaram em Bolsonaro. Em 2018, foram 46 votos para o então candidato do PSL.

Essa mesma seção deu 44 votos para Aécio Neves e nenhum para Dilma em 2014. O tucano ainda foi o único a ser votado em uma seção eleitoral do Amazonas e outra em Mato Grosso. Em São Paulo foram 7 seções que votaram apenas em Aécio.

Em 2014, Dilma foi a única votada, por exemplo, em 74 urnas do Maranhão e 27 do Ceará. Em São Paulo, foram oito seções que optaram apenas pela petista.

Em grupos de WhatsApp e Telegram diferentes mensagens têm usado o fato de urnas terem registrado zero votos para Bolsonaro como suposta fraude. Isso foi impulsionado por uma live transmitida na última sexta-feira (4) por canal de direita argentino, cujo dono tem relações com a família do atual presidente.

Ao longo do fim de semana, uma mensagem com um link para um mapa com a seguinte legenda foi enviada para diversos grupos: "todas cidades e urnas que Bolsonaro teve 0 votos, só clicar em cima". Não é verdade que cidades inteiras tenham registrado este tipo de ocorrência.

A live argentina foi baseada em um relatório sem autoria. Quem fez a apresentação foi Fernando Cerimedo, do canal "La Derecha Diário", do YouTube. A transmissão chegou a reunir 500 mil pessoas e mais tarde foi derrubada pela plataforma.

Políticos do campo bolsonarista como o deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG) tiveram contas em redes sociais suspensas por ordem do TSE ao repercutir questionamentos da live. Também o economista Marcos Cintra (União Brasil-SP) teve o perfil no Twitter suspenso ao endossar os questionamentos que partiriam dos dados do vídeo.

Um dos principais argumentos da live é que apenas a urna modelo 2020, que é a mais recente, teria sido auditada. Ele passa então a trazer uma série de gráficos que mostrariam padrões diferentes entre os votos dados a um candidato ou ao outro em urnas de modelos mais antigos e o modelo mais novo.

A premissa de onde ele parte, contudo, está errada. Uma das principais etapas de fiscalização do processo eleitoral é o Teste Público de Segurança (TPS), em que a urna e seus códigos de programação passam por análise de hackers inscritos. No ano passado, por exemplo, o edital do TPS previa que a urna a ser testada era a de modelo 2015.

O TPS acontece desde 2009 e passou por sua sexta edição no ano passado, a cada ano os diferentes modelos foram alvo de testes e ataques.

Ao longo de 2022 um dos pontos pelos quais as Forças Armadas insistiram, no âmbito da Comissão de Transparência Eleitoral, era para que também as urnas do modelo 2020 passassem pelo TPS.

Com isso, para além das avaliações internas do tribunal, elas foram testadas pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) da Universidade de São Paulo (USP), que emitiu um relatório a respeito.

Todos os modelos de urna utilizam o mesmo código-fonte, que é o programa que dá as instruções para urnas e foi inspecionado antes das eleições por partidos, universidades e órgãos públicos para garantir que ele faça o registro dos votos sem adulterações.

*

NÚMERO DE URNAS EM QUE CADA CANDIDATO FOI O ÚNICO QUE RECEBU VOTOS

*Segundo turno das eleições presidenciais

2022

Lula (PT): 143

Jair Bolsonaro (PL): 4

2018

Jair Bolsonaro (PSL): 4

Fernando Haddad (PT): 328

2014

Dilma Rousseff (PT): 192

Aécio Neves (PSDB): 11

2010

Dilma Rousseff (PT): 259

José Serra (PSDB): 6

2006

Geraldo Alckmin (PSDB): 3

Lula (PT): 234

2002

José Serra (PSDB): 13

Lula (PT): 33

RESULTADOS DE 2022

As 143 seções em que Lula foi o único votado representam 0,03% das mais de 472 mil urnas usadas em 2022

O petista obteve 16.455 votos nessas urnas, o que corresponde a 0,77% dos 2,1 milhões de votos que teve de vantagem sobre Bolsonaro


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