BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completou três meses de gestão com falas polêmicas do mandatário, "genialidades" de ministros e uma busca para diminuir ruídos entre ministérios que nem sempre estão alinhados com o Palácio do Planalto.

Aliados agora trabalham em estratégias para diminuir os ruídos, com reuniões para ligar os anúncios e falas dos ministros ao Palácio do Planalto, além de buscar reduzir a quantidade de compromissos do próprio Lula.

A mais recente crise coube ao próprio chefe do Executivo, que soltou palavrão em entrevista e depois fez ilações sobre Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato e hoje senador da oposição.

Na primeira fala, em entrevista ao portal Brasil 247, Lula disse que iria "foder o Moro". Na ocasião, ele se emocionou ao lembrar do período em que esteve preso em Curitiba, disse que sentiu muita mágoa, mas também aprendeu muito sobre resistência.

"De vez em quando ia um procurador, entrava lá de sábado, dia de semana, para perguntar se estava tudo bem. Entravam três ou quatro procuradores e perguntavam: 'Está tudo bem?' '[Eu respondia:] não está tudo bem. Só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro. Vocês cortam a palavra 'foder'", afirmou.

Apesar da sinalização do presidente para editar o vídeo, a entrevista estava sendo transmitida ao vivo.

Em seguida, foi deflagrada operação da Polícia Federal que revelou plano do PCC para atacar autoridades, entre elas, o ex-juiz da Lava Jato.

Lula, naquela dia, estava no Rio de Janeiro para a visita ao Complexo Naval de Itaguaí (RJ), onde é desenvolvido o programa do submarino nuclear da Marinha.

Instado por jornalistas a comentar a operação, disse se tratar de "mais uma armação [de Moro]". A ilação do presidente foi criticada reservadamente por aliados, que viram nela o efeito contrário de fortalecer Moro e esconder a agenda positiva da sua visita ao programa da Marinha.

A repercussão negativa das falas e do embate público com Moro levaram aliados a reavaliar alguns procedimentos. Na tentativa de evitar falas impróprias do mandatário, uma das hipóteses em análise para as próximas semanas é a diminuição do número de compromissos com a participação de Lula.

A avaliação é que eventos numerosos acabam com discursos repetidos do presidente, abrindo brecha para improvisos e falas fora do tema principal. O objetivo então é realizar poucos eventos na semana, para assim aumentar o foco das falas naquilo que está sendo anunciado ou celebrado.

Na seara de declarações polêmicas de Lula, há outras que foram alvo do próprio campo político do mandatário. Em Roraima, por exemplo, durante a 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas, ele disse que a escravidão da população negra teve como um ponto positivo a miscigenação do Brasil.

Em visita à terra Raposa Serra do Sol, Lula fez um discurso em que tentou exaltar os povos originários e criticou os colonizadores que, "há 500 anos nesse país", "resolveram vender a ideia de que era preciso fazer a escravidão vir para o Brasil porque os indígenas eram preguiçosos, não gostavam de trabalhar".

"Toda a desgraça que isso causou ao país, causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação, da mistura entre indígenas, negros e europeus, que permitiu que nascesse essa gente bonita aqui, que gosta de música, que gosta de dança, que gosta de festa, que gosta de respeito, mas que gosta de trabalhar para sustentar a sua família e não viver de favor de quem quer que seja", afirmou.

O episódio levou a críticas de ativistas, que disseram não haver qualquer saldo positivo da escravidão e que a ideia de elogiar a mistura de raças está ligada ao mito da democracia racial -usado na história brasileira para negar a existência do racismo.

As falas de Lula se somam a ruídos dentro do governo, que acabam prejudicando a comunicação com a população, segundo aliados.

Ministros anunciaram medidas que impactam e obtêm apoio popular, para depois recuarem, pois as ações não haviam sido debatidas suficientemente com o Planalto, não tinham recebido aval do mandatário e algumas nem tinham ainda os meios para serem efetivadas.

Lula cunhou os episódios de "genialidades", ao repreender seu primeiro escalão durante uma reunião, cujo discurso de abertura foi televisionado.

O chefe do Executivo afirmou que não quer "propostas de ministros", mas de governo e pediu que não anunciassem políticas públicas que não tenham sido apresentadas e recebido o aval da Casa Civil.

O caso mais notório foi o plano do ministro Márcio França (Portos e Aeroportos), que anunciou em uma entrevista um programa para oferecer passagens aéreas a R$ 200 para aposentados, estudantes e funcionários públicos.

A medida teria um grande apelo, em particular com a classe média, que viu o aumento dos preços das passagens e passou a frequentar menos os aeroportos. No entanto, sem detalhes sobre como seria financiada, passou a ser bombardeada por especialistas e pelo setor.

Outro caso foi o da redução do teto do juro do consignado, anunciada e executada pelo ministro Carlos Lupi (Trabalho e Previdência) de forma errada, segundo o próprio presidente, sem discutir com a equipe econômica e o núcleo político do governo e com os bancos.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, o episódio ocorreu em meio a ruídos no governo. Enquanto Lupi entendeu que havia conseguido aval de Lula, o 'ok' era para que ele estruturasse melhor a proposta, dialogasse com bancos e a Fazenda.

Após esses episódios, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência) passou então a realizar reuniões com as comunicações e chefes de gabinete dos ministérios, de forma a unificar o discurso e centralizar os anúncios.

Apesar dos tropeços, o governo Lula 3 representou a volta da comunicação institucional no Executivo federal. A nova gestão da Secretaria de Comunicação, hoje sob a tutela de Paulo Pimenta, reestruturou a pasta e retomou o diálogo com a imprensa profissional.

Durante o governo do antecessor, Jair Bolsonaro (PL), a regra era a de não responder à imprensa.


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