BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A investigação da Polícia Federal sobre supostos desvios em contratos para compra de kit de robótica com dinheiro federal descobriu que o empresário Edmundo Catunda repassou R$ 550 mil à empresa que construiu a casa em que mora Luciano Cavalcante.

Catunda é de uma família alagoana aliada do presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), e um dos sócios da Megalic, empresa que ganhou os contratos do kit de robótica sob suspeita de desvios de dinheiro público.

Cavalcante é o principal auxiliar de Lira, atualmente lotado na Liderança do PP na Câmara, e é conhecido em Brasília como uma das pessoas de maior confiança do político, que o acompanha em agendas diversas e viagens. A esposa dele, Glaucia, também já trabalhou para o deputado.

Os dois, Catunda e Cavalcante, foram alvos na última quinta (1º) da operação Hefesto, que investiga os crimes de fraude em licitação e lavagem de dinheiro nos contratos de kit de robótica custeados com recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

Informações em posse da PF mostram que Catunda repassou R$ 550 mil para a Construtora EMG, que ergueu o condomínio onde está localizada a casa de Cavalcante.

Os dados levantados mostram, inclusive, que a conta de energia elétrica da casa ainda está em nome da EMG.

Os pagamentos recebidos pela construtora foram entre abril e outubro de 2020, período em que eram realizados certames para contratação de kits de robótica.

Os fatos, de acordo com a PF, ainda são investigados para apurar se há relação entre os repasses do sócio da Megalic para a EMG com os desvios nos contratos.

A investigação que deu origem à operação Hefesto começou a partir de reportagem da Folha publicada em abril do ano passado. Ela mostrou a conquista dos contratos pela Megalic para compra dos kits destinados a escolas de pequenas cidades de Alagoas que sofrem com uma série de deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, de computadores, de internet e até de água encanada.

A partir das informações da reportagem, a PF mapeou as transações da Megalic e chegou a um casal proprietário de ao menos quatro empresas em Brasília, suspeitas de serem de fachada.

Os investigadores monitoraram o casal e descobriram uma rotina de saques de dinheiro em espécie em agências bancárias, seguidos de entregas em Brasília e outras cidades.

O casal foi preso na operação da última quinta, que também fez buscas contra Cavalcante e Catunda e em endereços da Megalic.

Um dos monitoramentos da PF foi em janeiro de 2023 na capital de Alagoas, estado de Lira e da Megalic. Os policiais flagraram veículo utilizado pelo casal para ir a agências bancárias e depois usado para deslocamentos a possíveis locais de entrega de dinheiro.

Nesse episódio de janeiro monitorado pela PF, o casal de operadores de Brasília foi flagrado indo até a casa do assessor de Lira.

Os investigadores, então, levantaram os dados sobre a residência e descobriram que ele era o proprietário e que ela ficava no condomínio Laguna, construído pela EMG.

O cruzamento dessas informações com as transações financeiras já em posse da PF indicou a relação da construtora com a Megalic, principal alvo da operação.

O advogado André Callegari, que defende Luciano Cavalcante, disse que analisa os fatos. Afirma, porém, que "as simples imagens mencionadas não demonstram qualquer atividade ilícita do investigado" e que Cavalcante não tem ligação com a Megalic.

A PF abordou as transações financeiras da Megalic e em comunicado sobre a operação disse que investiga possível lavagem de dinheiro.

De acordo com a nota da polícia, a investigação identificou "que foram realizadas, pelos sócios da empresa fornecedora e por outros investigados, movimentações financeiras para pessoas físicas e jurídicas sem capacidade econômica e sem pertinência com o ramo de atividade de fornecimento de equipamentos de robótica, o que pode indicar a ocultação e dissimulação de bens, direitos e valores provenientes das atividades ilícitas".

Ainda segundo a PF, algumas dessas transações eram "fracionadas em valores individuais abaixo de R$ 50 mil, com o fim aparentemente de burlar o sistema de controle do Banco Central/COAF".

Em nota assinada pelo advogado Eugênio Aragão, a defesa da Megalic afirmou haver "grave equívoco" nas suspeitas da PF e que todos os contratos se deram a partir de parâmetros técnicos do Ministério da Educação e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, com processo licitatório e ampla competitividade.

A nota diz que o TCU (Tribunal de Contas da União) não viu direcionamento nem preços incompatíveis e que a reportagem da Folha que deu origem à investigação fez comparação indevida dos produtos da Megalic com kits de qualidade inferior.

O TCU, porém, concluiu em abril deste ano ter havido direcionamento, viu fraude nos processos de compra de kits de robótica --mesma suspeita da PF-- e suspendeu os contratos para esse fim. O tribunal concluiu não ter havido sobrepreço.

As reportagens da Folha levantaram preços em diversas fontes (licitações, empresas, sites de vendas e especialistas do ramo), mostrando diferentes equipamentos, inclusive robôs considerados de ponta no mundo, como os da Lego, todos mais baratos.


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