BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Polícia Federal cumpriu na manhã desta quarta-feira (2) mandados de busca e apreensão em endereços da deputada Carla Zambelli (PL-SP) e prendeu Walter Delgatti, conhecido como o hacker da "Vaza Jato".
Os dois são suspeitos de atuarem em uma trama que mirava o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e que resultou na invasão dos sistemas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e na inserção de documentos e alvarás de soltura falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão.
As buscas contra Zambelli foram cumpridas em seu gabinete na Câmara dos Deputados e em endereços residenciais. Ela é uma das principais aliadas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na primeira etapa da investigação, no dia 20 de junho, havia sido cumprido mandado de busca e apreensão contra Delgatti, que foi ouvido e confessou parte da prática delituosa, mostra transcrição de seu depoimento na decisão de Moraes que autorizou a operação. Ele detalhou o modo de agir e indicou outros que teriam envolvimento com os fatos.
Na ocasião, o investigado informou que o objetivo da invasão foi demonstrar as vulnerabilidades do sistema judiciário brasileiro, como forma de desacreditar o sistema eletrônico de votação, uma vez que não seria possível a "invasão" das urnas eletrônicas pela internet.
O hacker, famoso por ter invadido contas de Telegram de procuradores da Lava Jato, teve encontros em agosto de 2022 com integrantes da campanha e aliados do então presidente Bolsonaro.
À época, interlocutores disseram à Folha de S.Paulo que Delgatti se reuniu com Valdemar Costa Neto, presidente do PL. Segundo aliados do dirigente partidário, o encontro foi intermediado por Zambelli.
Integrantes da campanha bolsonarista disseram que a deputada levou Delgatti sem aviso prévio ao partido e que Valdemar não deu continuidade às conversas. Ainda de acordo com eles, Valdemar descartou aproximar o hacker da campanha por não ter gostado do teor do encontro.
Nesta quarta-feira, Zambelli disse que existe uma tentativa de envolver Bolsonaro no contexto das investigações contra ela conduzidas pela PF.
"Estão tentando envolver o presidente [Bolsonaro] através de mim, pelo fato de eu ser próxima [dele]", afirmou ela sobre a operação em entrevista na Câmara. A deputada afirmou ainda que não há ligação entre o caso e o ex-presidente.
Em agosto do ano passado, a revista Veja revelou que houve um encontro entre Delgatti e o próprio Bolsonaro. O objetivo da reunião, ainda segundo a revista, foi tentar engajar o hacker na cruzada de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.
O então chefe do Planalto realizava frequentes ataques às urnas, em tentativas de desacreditar o sistema eleitoral.
Delgatti disse aos investigadores que teve um encontro com Bolsonaro. Segundo ele, o então presidente perguntou se ele conseguiria invadir o sistema das urnas eletrônicas.
"Isso não foi adiante, pois o acesso [ao código fonte] que foi dado pelo TSE foi apenas na sede do tribunal, e o declarante não poderia ir até lá, sendo que tudo que foi colocado no Relatório das Forças Armadas foi com base em explicações do declarante", afirmou a PF.
No início deste ano, em entrevista à Folha de S.Paulo, Zambelli foi questionada sobre suas ligações com Delgatti.
Ela respondeu: "[Sobre grampear Moraes] Nada. Eu o contratei [Delgatti] no primeiro turno para fazer uma ligação automática entre minhas redes e meu site. Ele começou a fazer, mas não terminou. O encontro com Bolsonaro era sobre a fragilidade das urnas. O que sinto no Walter é que ele fez tudo isso meio para se redimir da culpa que tinha pelo Lula estar concorrendo".
Delgatti também entregou dados de transações financeiras à PF. As informações mostram que pessoas próximas a Zambelli repassaram R$ 13.500 ao hacker.
"Verifica-se que, do montante de R$ 13.500,00, a quantia de R$ 10.500,00 foi enviada por Renan Goulart, valendo-se de 3 transferências bancárias via PIX; e que o valor de R$ 3.000,00 foi enviado, numa única transferência bancária via PIX, por Jean Vilela", diz a PF.
Goulart, continua a PF, é servidor comissionado da Assembleia Legislativa de São Paulo, lotado no gabinete de Bruno Zambelli, irmão da deputada. Vilela, por sua vez, é secretário parlamentar no gabinete da própria Carla Zambelli.
Em seu depoimento à PF, Delgatti assumiu a invasão e disse que somente ele e a deputada participaram da trama.
"Que o declarante foi pago para ficar à disposição da Deputada, sendo que os pagamentos foram feitos em outubro/2022 [R$ 3.000,00 ? três mil reais], pagos por um Assessor da Deputada, chamado 'Jean', por transferência bancária, em espécie, dinheiro levado por 'Renan', motorista da Deputada, e um PIX, em janeiro/2023, via PIX, tendo sido autorizado neste momento a acessar sua conta para fornecer os extratos", disse ele no depoimento.
Delgatti já havia sido preso em julho de 2019 pela Polícia Federal na Operação Spoofing, que apurava a existência de uma quadrilha responsável por "crimes cibernéticos". Segundo a corporação, ele liderou um ataque hacker contra autoridades e acessou trocas de mensagens dos procuradores da Lava Jato pelo Telegram.
Deltan Dallagnol, então chefe da força-tarefa da operação, foi um dos hackeados. Assim, foram tornadas públicas mensagens dele com outros investigadores e também com o então juiz do caso, o ex-ministro da Justiça no governo Bolsonaro e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
Delgatti admitiu à PF ter entrado nos celulares dos procuradores e repassado as mensagens ao site The Intercept Brasil, que revelou o caso posteriormente conhecido como Vaza Jato.
Os diálogos vazados indicaram atuação conjunta dos procuradores com Moro nos processos envolvendo Lula na operação. O material teve papel central nos julgamentos no STF que declararam a suspeição de Moro nas condenações contra o petista.
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