SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não é hora, é fazer o jogo da direita, deixa o homem trabalhar.

Formulações como essas têm sido frequentes em ataques virtuais de apoiadores de Lula (PT) a pessoas do próprio campo da esquerda que fazem cobranças ao presidente.

A estridência levou a debate sobre a abertura da militância petista a críticas após quatro anos de governo Jair Bolsonaro (PL).

Entre os episódios de maior repercussão, estão os protagonizados pelo humorista Gregório Duvivier e pelo ex-deputado Jean Wyllys (PT).

Duvivier foi alvo de uma onda de críticas após defender a nomeação de uma mulher negra para o STF e propor a Lula um café para conhecer possíveis ocupantes para a vaga que será aberta na aposentadoria de Rosa Weber.

Já Wyllys foi alvo da militância após dizer que o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social (Secom), estava por trás de uma campanha midiática para difamá-lo e deixá-lo fora do governo.

De volta ao Brasil, Wyllys chegou a ter um cargo na Secom confirmado, mas ficou de fora após proferir ofensas tidas como homofóbicas ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) --na quinta (14), o Ministério Público denunciou Wyllys pelo crime de injúria.

Wyllys reagiu aos ataques falando na existência de um "hater-gado-petista" que não aceita qualquer crítica ou revelação de fato negativo em relação a Lula.

"Gado" era a palavra usada pela própria esquerda para designar seguidores de Bolsonaro sem qualquer senso crítico, vistos como massa de manobra.

Embora os casos de Duvivier e Wyllys tenham feito barulho, o argumento de que "não é hora" de criticar Lula, ou de que isso pode colocar o governo em risco, não é novo.

No início do ano, por exemplo, Paulo Roberto da Silva Lima, conhecido como Paulo Galo, sofreu uma série de críticas na esquerda após defender uma greve de entregadores contra a precarização do trabalho.

"Num mundo invertido, os entregadores convocariam uma greve já dentro do governo Lula e a militância petista apoiaria em peso, mostrando de qual lado está", criticou ele.

Para o professor do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker, parte da virulência do debate é ainda efeito do bolsonarismo, com sua negação do diálogo e da política.

Falta aos progressistas de agora, diz, entender que pessoas com diferentes táticas e estratégias podem estar no mesmo campo.

Ele avalia ainda que entrar em uma onda massiva de ataques dá ao perpetrador um sentimento de "purificação" que esconde uma fraqueza.

"Há uma sensação gostosa de malhar o outro porque, por pior que você esteja se sentindo, se você escracha alguém, esse alguém está abaixo de você", diz.

Para o professor, a facilidade de postar em uma rede social também suspende alguns freios que em outras situações poderiam atuar. Ele cita o caso das afirmações sobre não ser a hora de pressionar ou criticar o governo.

"O cara vira o empoderado da poltrona, estrategista do [jogo] War, que vai dizer qual é a hora", diz Dunker.

Para Celso Rocha de Barros, autor de "PT, uma História" (Companhia das Letras, 2022), o argumento de que não é hora de comentários negativos já não cabe.

"Retomar a normalidade em que os governos ou as instituições podem ser criticados de maneira não golpista era um dos objetivos da frente ampla que elegeu Lula", diz.

Em sua avaliação, a militância petista não é mais avessa ao contraditório do que outros movimentos políticos, mas ele vê "um certo trauma com os protestos de 2013, que começaram criticando os governos do PT com argumentos de esquerda e acabaram sendo sequestrados pela direita".

"Depois do impeachment de Dilma, o PT talvez tenha ficado mais defensivo", conclui.

De fato, o contexto político que acompanha o bordão "não é hora" mudou significativamente desde a eleição de Lula, quando havia bloqueios em estradas e manifestantes acampados em frente a quartéis.

Enquanto Bolsonaro foi tornado inelegível, os réus dos atos golpistas de 8 de janeiro têm recebido penas rígidas em julgamento.

Por outro lado, o governo vive desgastes com parte da base após a reforma ministerial feita para dar mais espaço ao centrão.

O movimento mais emblemático nesse sentido envolveu a demissão de Ana Moser para a entrada de André Fufuca (PP-MA) no Ministério do Esporte.

A visão de que o petista é incriticável não é unânime na esquerda.

Na sexta-feira (15), recebeu muitas críticas na plataforma X, ex-Twitter, uma postagem de um usuário que sugeriu não haver diálogo com alguém que critica Lula mesmo tendo se beneficiado de programas sociais criados ou ampliados em governos petistas.

No episódio envolvendo Wyllys, a própria presidente do PT, Gleisi Hoffmann, elogiou a militância "participativa, inquieta e crítica" e que saberia distinguir aliados dos reais adversários --e Wyllys, disse, está entre os primeiros.

Parte dos apoiadores também têm recuperado frase de Lula na qual o presidente diz que não quer "tapinha nas costas".

Presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Manuella Mirella diz que a prioridade da entidade, como de movimentos sociais em geral, sempre vai ser defender as pautas de sua base, independente do governo.

Ela faz a ressalva, por outro lado, de que a gestão atual é muito mais aberta ao diálogo do que a anterior.

Com ataques a jornalistas e propagação de desinformação, o Brasil teve no ano passado a terceira maior queda no ranking global de liberdade de expressão divulgado pela ONG Artigo 19, para o período 2011-2021.

A piora no indicador ocorria desde 2016 e se acentuou em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro.


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