BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Tendo ocupado um dos principais cargos de assessoria do ministro Alexandre de Moraes na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o advogado Caio Facco Salles afirma que, em sua visão, a ameaça do Congresso Nacional de esvaziar as regras de estímulo à participação das mulheres na política não fará o tribunal recuar no rigor que tem tratado fraudes à cota de gênero.
"Essas medidas [parte do pacote eleitoral em discussão no Congresso] têm ido contra diversas decisões adotadas pelo TSE, principalmente na questão da fraude à cota de gênero", diz Salles, atualmente sócio do Gustavo Mascarenhas e Vinicius Vasconcellos Advogados, em Brasília.
O advogado, que deixou o cargo na presidência do TSE no último dia 30, ressalta que semanalmente a corte tem analisado casos e determinado a cassação de toda a chapa eleita por partidos que se utilizaram das chamadas "laranjas" --mulheres usadas apenas para cumprir a cota de 30% de candidaturas femininas, mas sem realização efetiva de campanha.
"Acompanhando as sessões do TSE, toda terça e quinta são julgados dois, três casos, toda semana. E quase sempre com a cassação porque a realidade é de um laranjal de candidaturas femininas."
Nesta quinta-feira (21), por exemplo, o tribunal eleitoral cassou os eleitos a vereador pelo PSB em Sebastião Laranjeiras (BA) pelo lançamento de uma candidatura laranja na chapa.
Essa jurisprudência tem se firmado a partir de dois casos.
Em 2019, decidiu-se pela cassação de vereadores de Valença (PI) e firmou-se o entendimento que a fraude às cotas contamina toda a chapa lançada. Em 2022, julgamento sobre a cidade de Jacobina (BA) estabeleceu as características gerais de definição de uma candidatura laranja, entre elas votação pífia e ausência de atos de campanha.
No mês passado, Moraes anunciou durante a sessão plenária que o TSE vai votar brevemente uma proposta de súmula (orientação geral para julgamentos de casos similares) sobre fraudes à cota de gênero.
Esse cenário tem resultado em uma forte reação na Câmara dos Deputados, que incluiu na chamada PEC da Anistia um dispositivo que proíbe a cassação das chapas caso entre os eleitos esteja uma mulher.
A proposta, que pode ser votada na próxima semana, concede o maior perdão da história a irregularidades cometidas por partidos políticos, entre elas as fraudes às cotas para estímulo à participação de mulheres e negros na política.
"A anistia vai ter eficácia em relação às penas que foram impostas, mas não vai necessariamente impactar na forma que o tribunal tem interpretado [a lei]. Eu acredito que o tribunal vai continuar nesse caminho, inclusive pela gestão da ministra Cármen Lúcia, que tem mostrado muita preocupação nesse ponto específico", diz Salles.
Moraes segue na presidência do TSE até junho de 2024, quando cederá a vaga a Cármen Lúcia.
"Acho que a mensagem política dessa anistia é ruim, só que ela não vai interferir na jurisprudência ou na intenção do tribunal de conferir concretude a essa cota", acrescenta o advogado, afirmando que alguns pontos dos projetos discutidos no Congresso podem ser considerados inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Um desses pontos seria a impossibilidade de cassação da chapa caso haja mulher eleita.
"Pode ser interpretado até como uma violação à independência entre os Poderes, porque o Congresso eventualmente revogaria as sanções anteriormente aplicadas, e todo o trabalho que o tribunal tem adotado em relação a isso basicamente seria jogado no lixo".
Nesta quinta, Moraes também se manifestou sobre a PEC da Anistia na nota em resposta aos questionamentos feitos pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, à Justiça Eleitoral.
"O Tribunal Superior Eleitoral repudia afirmações errôneas e falsas realizadas no intuito de tentar impedir ou diminuir o necessário controle dos gastos de recursos públicos realizados pelos partidos políticos, em especial aqueles constitucional e legalmente destinados às candidaturas de mulheres e negros", escreveu Moraes.
O caso das laranjas ganhou projeção nacional com a revelação pela Folha de S.Paulo em 2019 de um esquema de candidaturas femininas fictícias no PSL, o então partido de Jair Bolsonaro (PL).
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