BELO HORIZONTE, MG, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Advocacia-Geral de Minas Gerais atua na defesa do deputado federal e ex-governador Aécio Neves (PSDB) em um processo movido pelo Ministério Público mineiro para que o parlamentar pague R$ 11,5 milhões ao próprio estado.

O valor é cobrado como ressarcimento pelo uso de aeronaves públicas no período em que o hoje parlamentar era governador de Minas. O tucano governou estado de 2003 a 2010, por dois mandados. A ação do MP-MG ocorreu após reportagem da Folha de S.Paulo.

A AGE (Advocacia-Geral do Estado), órgão que representa juridicamente o governo de Minas, afirma que a defesa está prevista em lei, quando há solicitação do agente público, no caso, o ex-governador.

Para Aécio, não há contradição no processo. "Os argumentos da defesa do estado e do ex-governador são os mesmos", disse.

O Ministério Público considera que, de um total de 1.424 voos feitos por Aécio, apenas 87 foram justificados. Para os 1.337 restantes, segundo a Promotoria, faltavam informações sobre, por exemplo, quem estava nas aeronaves.

A ação pede indenização por dano material e teve início em 2018. Em 2019, Aécio chegou a ter bens bloqueados pela Justiça em decisão de primeira instância.

O tucano, segundo a ação, usou jatinho, avião turboélice e helicóptero nas viagens, com gasto de recursos com combustível, manutenção de aeronaves e remuneração de tripulação.

Ainda em 2019, o bloqueio de bens foi suspenso e a ação extinta, em primeira instância, depois de a AGE citar prescrição. O Ministério Público recorreu da decisão.

O recurso aguarda julgamento na 7ª Câmara Cível do TJ (Tribunal de Justiça) de Minas. Caso seja acatado, o processo volta a tramitar em primeira instância.

A AGE afirmou que a atuação na defesa do ex-governador foi solicitada por Aécio e está prevista em lei.

"A Advocacia-Geral tem entre suas prerrogativas legais o dever de atuar na defesa de agentes públicos, caso seja acionada formalmente pelos mesmos, incluindo ex-governadores de estado. A atuação jurídica é limitada a atos praticados durante o exercício das funções públicas", disse o órgão, em nota.

No caso específico do ex-governador, conforme a AGE, a utilização das aeronaves ocorreu em conformidade com o decreto 44.028/2005, que autorizava o uso de aviões e helicópteros oficiais do estado para deslocamentos de qualquer natureza do governador, sejam viagens de âmbito pessoal ou missões a serviço do governo.

O decreto citado pela AGE foi assinado pelo próprio Aécio em maio de 2005.

A AGE frisou que o decreto foi alterado em 2016, durante o governo de Fernando Pimentel (PT), "restringindo a utilização a utilização das aeronaves apenas para voos relacionados a agendas oficiais de estado e para emergências de segurança e saúde, como transplantes de órgãos".

Ainda segundo a AGE, durante o primeiro mandato de Romeu Zema (Novo), foi determinado o fim da disponibilização de aeronave exclusiva para o governador, como ocorria em gestões anteriores.

O Ministério Público de Minas não quis comentar o fato de a AGE atuar para o estado e para Aécio.

Entre as viagens pelas quais o MP-MG pede ressarcimento, 116 foram para Cláudio, a 150 km de Belo Horizonte, um dos redutos da família de Aécio e onde o governo de Minas gastou quase R$ 14 milhões para construir um aeroporto dentro de uma fazenda do tio do ex-governador. O caso foi revelado pela Folha de S.Paulo em 2014.

O tucano, ainda conforme a ação, fez também 124 viagens ao Rio de Janeiro, para a capital fluminense e outras cidades como Búzios e Angra dos Reis. A maioria das viagens foi entre quinta e domingo.

Além disso, há em 2008 e 2009 seis passagens para Florianópolis, onde morava a então namorada e hoje mulher dele, Letícia Weber.

Por meio de sua assessoria, Aécio afirmou que a atuação da AGE em sua defesa está dentro da lei.

"O procedimento já ocorreu em ações semelhantes de diversos ex-governadores como, por exemplo, Itamar Franco e Fernando Pimentel, bem como de secretários de Estado e presidentes de autarquias, fundações e empresas públicas de diferentes governos", afirmou o parlamentar, em nota.

O parlamentar negou haver contradição no processo. "Nesse caso, assim como em inúmeros outros, não há contradição entre a defesa do Estado e a do ex-governador. Os argumentos da defesa do Estado e do ex-governador são os mesmos. Eles são o mesmo lado da ação, como ocorreu com outros governadores em casos de conteúdo semelhante".

Para o parlamentar, o recurso à espera de julgamento no TJ é praxe. "No caso em questão, a Justiça já extinguiu a ação por considerar os voos corretos", disse, embora a decisão da Justiça tenha sido por prescrição, sem análise a respeito de os voos terem sido corretos ou não.

Especialistas ouvidos pela reportagem divergem a respeito de eventual conflito de interesses na atuação da AGE como defensora de Aécio neste caso.

O advogado Hélio João Pepe de Moraes, mestre em direito processual, afirma que é um "claro caso de conflito de interesses".

"A rigor, a advocacia pública pode fazer a defesa dos agentes políticos, em atos que decorram do exercício de sua função. Mas o próprio agente deve recusar essa defesa quando houver potencial conflito de interesses, sob pena de improbidade", afirma.

O doutor em direito Raphael de Matos Cardoso afirma que a AGE está autorizada "a defender, judicial e extrajudicialmente, ativa e passivamente, os membros dos Poderes do Estado, quando, em decorrência do exercício regular das atividades institucionais, forem vítimas ou apontados como autores de ato ou omissão".

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