BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Mensagens obtidas pela Polícia Federal mostram a relação entre o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), e o empresário Eduardo José Barros Costa, sócio oculto da Construservice, para tratar da destinação de emendas, execução de obras e pagamentos a terceiros.

A reportagem teve acesso às conversas.

Esse conteúdo é um dos principais elementos usados pela PF para afirmar ao STF (Supremo Tribunal Federal) que o ministro de Lula faz parte de uma organização criminosa, como revelado em reportagem publicada nesta quarta-feira (8).

"Próxima semana vamos sentar pra falar sobre umas emendas minhas de Asfalto", escreveu Juscelino Filho ao dono da empreiteira em outubro de 2017, quando exercia seu primeiro mandato como deputado federal.

A PF encontrou as mensagens após apreender o celular do empresário, que é conhecido como Eduardo DP.

A operação em questão foi deflagrada em julho de 2022, durante a primeira fase da operação Odoacro, que mirava supostos desvios em contratos da Construservice pagos com dinheiro de emendas, em especial destinadas para a Codevasf, estatal federal nas mãos do centrão.

Em setembro deste ano, já na terceira fase da operação, a irmã de Juscelino Filho, Luanna Rezende, foi alvo da PF e chegou a ficar temporariamente afastada do cargo que ocupa, de prefeita de Vitorino Freire (MA), por ordem de Luís Roberto Barroso, do STF.

Na mesma oportunidade, a PF pediu busca e apreensão contra o ministro de Lula, mas Barroso negou a solicitação.

Para os investigadores, o ministro e Eduardo DP estabeleceram uma "relação criminosa" para fraudar licitações e desviar recursos de pavimentações feitas no Maranhão.

Procurada pela reportagem, a assessoria do ministro enviou nota assinada por seus advogados. Segundo eles, não há nada ilegal nas obras e chama de "ilação absurda" qualquer suspeita de benefício pessoal de Juscelino por meio das emendas.

"Não há qualquer irregularidade nas obras, cujas emendas atendem a demandas da população, conforme já esclarecido às autoridades. Emendas parlamentares são um instrumento legítimo e democrático do Congresso Nacional e todas as ações de Juscelino Filho foram lícitas", afirma a defesa.

"São absurdas ilações de que Juscelino tenha tido qualquer proveito pessoal com sua atividade parlamentar, sobretudo construídas a partir de supostas mensagens sem origem e fidedignidade conhecidas", completa a nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.

Segundo informações colhidas pela reportagem, para os investigadores, as mensagens mostram Juscelino como o "verdadeiro chefe" do empresário. "Ao atuar como o responsável direto pela obra, apontando prioridades, medições e desbloqueio de pagamentos", diz a PF em um relatório.

Em junho de 2019, o então deputado pede para Eduardo DP retomar uma obra e cita uma nova frente "grande" de contratos na Codevasf.

"Tá na hora de voltar a máquina de asfalto pra Vitorino (cidade comandada pela irmã de Juscelino Filho) pra terminarmos aqueles serviços da cidade e da Pedra do Salgado e depois já começar aquele convênio grande com a Codevasf", disse Juscelino.

Dias depois, ele escreve novamente ao empresário: "Precisamos sentar para ajustar as coisas de lá parente? tem aquela obra da Codevasf também que já da pra dar ordem de serviço".

Juscelino também afirma que está há quase um mês tentando "sentar" com o empresário e volta a cobrá-lo sobre as obras. "Mandou as máquinas?", escreveu a Eduardo DP.

A apuração também mostra diálogos entre o ministro de Lula (PT) e o empresário sobre licitações e pagamentos.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, Juscelino Filho entrou na mira da investigação, justamente, por causa das conversas encontradas pela PF no celular do empresário e das obras de pavimentação na cidade da irmã bancadas com dinheiro destinado por meio de emendas parlamentares indicadas por ele.

As conversas em posse da PF são do período de 2017 a 2020.

Para os investigadores, os diálogos mostram uma relação de "proximidade e promiscuidade" e "intensa tratativa" sobre a execução de obras pagas com emendas.

Em um deles, em 31 de outubro de 2017, Juscelino indica uma pessoa como intermediária para Eduardo DP. A PF identificou a pessoa como sendo João Paulo Alim Maluf, conhecido como JP ou Xibiu. Ele é filho de Alim Maluf Filho, à época assessor no gabinete de Juscelino Filho.

"Vamos vê logo o valor da adesão da ata", diz o empresário ao então deputado. Em seguida, Juscelino responde: "Sim. Vamos. Faz o Seguinte. Trata com o JP isso".

No mesmo dia, Eduardo DP envia mensagem a JP.

"O Juscelino de (sic) chama de JP?", diz ele. "Sim. Fala meu príncipe", responde o suposto intermediário do ministro. "Pois tenho q falar com vc irmão. Hj ainda", afirma o empresário, que após JP dizer "OK" e dizer estar "na ilha", completa: "Eu tbm, mas fala logo com Juscelino, ok?".

Dias depois, em 1 de novembro de 2017, JP e Eduardo DP voltam a falar sobre o que a PF aponta como sendo tratativas para contratação da Construservice na cidade comandada pela irmã de Juscelino Filho.

Em um áudio enviado para o empresário, JP reclama da ausência de alguns documentos e, diz a polícia, deixa clara a importância do agora ministro de Lula no esquema.

"Meu príncipe é JP, deixa eu lhe falar, o cara foi lá, mas não levou nenhuma documentação, não levou nada, não... Sabe? Eu preciso saber... olhar as atas, olhar os editais, olhar as coisas direitinho para me passar lá no escritório. Se não tiver, lá na mão da mulher não passa, entendeu? Ela é mão de ferro. E eu preciso saber direitinho os valores das emendas, eu vou pegar com o Juscelino também", diz trecho do áudio.

Segundo a PF, JP atuou para a Construservice em mais de uma licitação. A investigação afirma que ele é "quem faz a ponte" entre a empresa de Eduardo DP e a Public Consultoria em 2017, que havia sido contratada pela prefeitura de Vitorino Freire para atuar em procedimentos licitatórios.

Com sede em Codó (MA), a Construservice chegou a se tornar vice-líder de contratos com a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). As licitações feitas com a estatal foram vencidas com sócios laranjas ?o dono de fato da empresa é Eduardo DP.

Em julho de 2022, a PF prendeu Eduardo DP na primeira fase da operação Odoacro e acessou o celular do empresário. No equipamento foram encontradas as mensagens com Juscelino Filho.

O empresário foi solto dias mais tarde. A segunda fase Odoacro, deflagrada em outubro do mesmo, mirou Julimar Alves da Silva Filho, que era fiscal da Codevasf e foi afastado do órgão a pedido da PF.

Os agentes suspeitam que o fiscal recebeu R$ 250 mil de propina da Construservice.

Como o celular de Eduardo DP revelou diálogos com Juscelino, o ministro de Lula passou a ser investigado no mesmo inquérito no Supremo e foi um dos alvos da terceira fase da operação Odoacro.

Dados do portal da transparência indicam que há cerca de R$ 160 milhões empenhados para a empresa de Eduardo DP pelo governo federal, sendo que mais de R$ 24 milhões foram pagos.

Esses valores não consideram contratos firmados com a Construservice em convênios da Codevasf com prefeituras.

As suspeitas da PF sobre Juscelino envolvem justamente três destes convênios, no valor de R$ 14,18 milhões, que utilizam verbas indicadas pelo ministro.

Órgãos de controle ainda miram contratos com outras empresas firmados com emendas de Juscelino. Em um destes casos, a própria Codevasf foi à Justiça para cobrar devolução de R$ 3,3 milhões da construtora Engefort por suposto superfaturamento de obras de R$ 10 milhões feitas no Maranhão.

Em nota, a Codevasf disse que "mantém firme compromisso com a integridade de suas ações e com o suporte à elucidação de quaisquer fatos investigados por autoridades policiais, pela Justiça ou por órgãos de fiscalização e controle". "A Companhia continuará a colaborar com o trabalho dessas instituições sob quaisquer circunstâncias, sem economia de esforços", afirmou a estatal.


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