BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A aprovação pelo Senado da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que limita as decisões individuais dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) gerou troca de críticas entre magistrados da corte e o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), numa disputa entre os Poderes que respingou no governo Lula e no PT.

A votação foi vista por ministros do Supremo como um ataque. Eles aproveitaram a sessão desta quinta-feira (23) para disparar duras declarações contra a atitude dos senadores.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes citaram expressões como ditadura e retrocesso. Mais tarde, houve reação de Pacheco, dizendo que nenhuma instituição é intocável e que a corte não é palco nem arena política.

Barroso disse que a erosão das instituições em países que recentemente viveram retrocesso democrático começou por mudanças nas supremas cortes. "Os antecedentes não são bons."

Ele afirmou ainda que o tribunal não vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento. "O STF é alvo de propostas de mudanças legislativas que, na visão da corte, não são necessárias e não contribuem para a institucionalidade do país."

Já Gilmar Mendes disse que o STF "não irá submeter-se ao tacão autoritário, venha de onde ele vier, ainda que escamoteado pela representação de maiorias eventuais".

"As ditaduras são sempre deploráveis, e elas podem existir tendo como marco o Executivo ou, também, o Legislativo. Estou certo de que os autores desta empreitada começaram-na travestidos de estadistas presuntivos, e a encerram, melancolicamente, como inequívocos pigmeus morais."

Ele disse ainda que a medida é "a ressurreição de um cadáver outrora enterrado" e que ela já havia sido rejeitada pelo Parlamento em 2020.

"O fato é que este STF, sempre atento às suas responsabilidades institucionais e ao contexto que o cerca, está preparado para enfrentar, uma vez mais e caso necessário, as investidas desmedidas e inconstitucionais provenientes, agora, do Poder Legislativo."

Alexandre de Moraes, por sua vez, declarou que o aprimoramento das instituições é importante e instrumento da democracia, "mas não quando escondem insinuações, intimidações e ataques à independência do STF". Também disse que o tribunal não é composto de covardes nem de medrosos.

"Tenho absoluta certeza de que, sob a presidência de vossa excelência [Barroso], o STF demonstrará coragem na defesa da garantia do Poder judicial, não em favor do tribunal, ou de juízes e juízas, mas da sociedade", afirmou.

Horas depois, Pacheco respondeu ao STF e mostrou que não pretende recuar. Negou que a PEC seja uma retaliação à corte e justificou que ela visa reforçar o que diz a Constituição.

"Não me permito debater e polemizar nada dessas declarações de ministros do Supremo Tribunal Federal, porque considero que o Supremo não é palco e arena política. É uma casa que deve ser respeitada pelo povo brasileiro", afirmou.

"Nenhuma instituição tem o monopólio da defesa da democracia no Brasil", disse, afirmando que atuou em defesa das instituições e do próprio STF quando foi necessário.

O presidente do Senado e do Congresso afirmou que não pretende criar crise institucional, mas apenas aprimorar a Justiça.

"O discurso politico no Brasil infelizmente está muito pobre, vazio de argumentos para poder se deixar levar a uma discussão desse nível, entre direita e esquerda, entre um presidente e ex-presidente", afirmou.

"Não me permito fazer um debate político, tampouco receber agressões que gratuitamente recebi, por membros do Supremo Tribunal Federal, em razão de um papel constitucional que cumpri."

A crise ganhou ainda mais corpo e atingiu a gestão Lula devido ao voto do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Ele foi favorável à proposta, o que aumentou as queixas no STF.

Em resposta, a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), disse que o voto de Wagner foi "um equívoco" e que trabalhará para que a PEC não seja confirmada pela Câmara dos Deputados.

Wagner disse, em suas redes sociais, que a sua decisão foi "estritamente pessoal e fruto de acordo que retirou do texto qualquer possibilidade de interpretação de eventual intervenção do Legislativo".

Ministros do STF consideraram o gesto do senador foi de terminante para que o texto fosse aprovado, já que a matéria foi chancelada com apenas três votos de folga. Além do seu próprio voto, Wagner contribuiu para que mais alguns senadores se posicionassem a favor do texto.

Para os magistrados, a postura de Wagner prejudica a interlocução da corte com o governo Lula.

O voto do líder do governo foi encarado como uma traição. Diante dos possíveis impactos na interlocução do Planalto com o STF, ministros de Lula procuraram o senador para tentar entender a justificativa do voto.

O Planalto buscou manter distância da discussão por avaliar que o tema não concernia ao governo. Ainda assim, o episódio provocou desconforto com a articulação política, que também foi alvo de reclamações no Supremo.

A PEC foi aprovada com 52 votos a 18, de 49 que eram necessários. O texto agora segue para avaliação da Câmara dos Deputados.

A proposta define que as chamadas decisões monocráticas não podem suspender a eficácia de uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência da República --para isso, obriga que haja decisões colegiadas.

A expectativa é que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), segure ou ao menos dê ritmo lento à proposta na Casa.

A ofensiva contra o Supremo esteve sempre presente entre senadores aliados a Jair Bolsonaro (PL). Ela ganhou tração, porém, a partir de uma articulação entre o Senado e a oposição na Câmara, impulsionada pela bancada ruralista, a mais forte do Congresso no momento.


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