BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) investigado pela PF (Polícia Federal) pela suposta espionagem contra o então governador do Ceará e hoje ministro da Educação, Camilo Santana (PT), não pilotou o drone nem estava no estado na data do ocorrido.

Inquérito da Polícia Federal que apura a suposta existência de uma "Abin paralela" no governo Jair Bolsonaro (PL) afirma que Paulo Magno de Melo Rodrigues Alves foi flagrado pilotando um drone nas proximidades da residência oficial do governo do Ceará, em 2021.

Diferentemente do que aponta a PF, autoridades que acompanharam o desdobramento do episódio afirmaram à Folha que quem pilotava o drone era um oficial de inteligência que havia sido deslocado de Brasília e uma servidora da Abin lotada na superintendência local.

Inicialmente, a dupla foi abordada pela guarda palaciana por se tratar de uma área de segurança onde a presença de drones não é permitida. Em um segundo momento, no entanto, os policiais verificaram a placa do carro e eles se identificaram como agentes da Abin.

Os dois oficiais de inteligência afirmaram que não sabiam que estavam perto do Palácio da Abolição, e que o voo era apenas para que a servidora de Fortaleza fosse instruída a usar o equipamento.

Em petição protocolada em 25 de janeiro, os advogados do ex-diretor da Abin afirmam que a informação da PF de que ele foi flagrado nas proximidades da residência oficial do governo do Ceará em 2021 não é verdadeira.

"O peticionário não é piloto de drones da Abin, sequer sabe pilotar esse aparelho e também não tem habilitação. Aliás, Paulo Magno tampouco estava no Ceará no momento em que teria ocorrido tal episódio", diz a peça, à qual a reportagem teve acesso.

A petição apresentada ao STF (Supremo Tribunal Federal) é assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo, Pedro Ivo Velloso, Franciso Agosti e Marcelo Neves.

"Paulo Magno não pilota, nem nunca pilotou drone algum, seja no Ceará ou em qualquer outro lugar. Tal equivocada informação prestada pela PF induz o Poder Judiciário --e, depois das citadas notícias, a sociedade também-- em erro, acarretando graves prejuízos à imagem e à reputação do peticionário."

A defesa também contesta a firmação de que Magno seria "gestor do FirstMile", o programa espião que teria sido usado pela gestão Bolsonaro para espionar adversários políticos, dizendo que ele não utilizava o sistema e não atuou como gestor do contrato ou da ferramenta.

A Abin é o ponto central da apuração da PF iniciada em março do ano passado sobre a suspeita de que a agência, na gestão de Bolsonaro, tenha sido usada para monitorar e perseguir rivais. Camilo Santana, filiado ao PT, era adversário da antiga gestão federal.

A informação da Polícia Federal de que Magno pilotava o drone foi usada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes na decisão que autorizou operações de busca e apreensão em janeiro. Segundo o ministro, o episódio comprovaria "a total ilicitude das condutas".

A Folha procurou a PF, mas o órgão disse que não se manifesta sobre investigações em andamento.

Em depoimento prestado aos investigadores em outubro, Magno afirmou que, do final de 2020 até o início de 2022, ocupou a função de coordenador-geral de Operações de Inteligência da Abin.

Ele não foi questionado na ocasião sobre o episódio do drone porque a PF só chegou a esse dado após busca ocorrida naquela data.

Em 2021, a Abin abriu um PAD (processo administrativo disciplinar) contra os dois oficiais de inteligência envolvidos no caso. O processo foi arquivado no ano seguinte.

No relatório policial apresentado a Moraes, é descrito que dispositivos móveis apreendidos com Magno continham um arquivo denominado "Defesa Prévia - PM.docx", em que haveria um esboço de justificativa a ser apresentada caso ele fosse incluído no PAD.

No documento, é afirmado não ter havido plano de operação destinada a monitoramento e é solicitado o arquivamento do processo disciplinar. Se o entendimento fosse por sua continuidade, porém, Magno pedia a inclusão dos demais gestores da Abin à época, entre eles o então diretor-geral Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL.

"O evento, portanto, corrobora a sistemática prática de realização de 'operações de inteligência' sem os devidos registros, com o fito de encobrir o desvio republicano", escreveu o delegado da PF Daniel Carvalho Brasil Nascimento em seu relatório.

Os relatórios da PF produzidos nessa investigação também chegaram a ser contestados pela PGR (Procuradoria-Geral da República), mostram documentos sigilosos da apuração aos quais a Folha teve acesso.

Em dezembro, a vice-procuradora-geral da República, Ana Borges Coêlho Santos, enviou a Moraes parecer sobre pedido da PF de medidas cautelares, afastamento dos cargos públicos e do mandato parlamentar (em relação a Ramagem), e reclamou da qualidade do relatório policial.

Ela escreveu que a representação policial deveria expor adequadamente "a necessidade, adequação e utilidade das medidas cautelares, vir acompanhada do resultado das diligências já realizadas e, sobretudo, ser legível e inteligível".

E prosseguiu, afirmando que a PF pleiteava decretação de medidas graves, como o afastamento do mandato de parlamentar, em peça composta por recortes de resultados das diligências já realizadas "sem sequer se permitir a exata compreensão desses extratos da investigação, já que não se acostou aos autos a íntegra dos elementos informativos já apurados".

Moraes determinou à PF que refizesse o relatório e, cerca de um mês e meio depois, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifestou a favor da maioria das medidas solicitadas pela polícia, mas se posicionou contra algumas das principais, entre elas uma busca e apreensão em um gabinete da Câmara e o afastamento de Ramagem do mandato.

Como a Folha revelou na última quinta-feira (7), a afirmação da PF de que o suposto esquema de arapongagem ilegal do governo Bolsonaro tentou vincular Moraes e Gilmar Mendes à facção criminosa PCC está amparada na interpretação de dois parágrafos especulativos de um documento que teria sido produzido no gabinete de um deputado federal.

Nesse mesmo dia, reportagem também mostrou que a PF pediu busca e apreensão no gabinete de um deputado federal, Gilberto Nascimento, mesmo afirmando não ver indícios de sua participação no episódio.

O argumento usado foi o de que a operação seria em benefício do próprio parlamentar, para comprovar cabalmente sua inocência. Moraes negou a busca.


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