BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A DPU (Defensoria Pública da União) tenta a absolvição de dois réus dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 que, segundo o órgão, são um trabalhador ambulante e uma pessoa em situação de rua.
Em manifestações enviadas ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, a Defensoria também afirma que eles nada tiveram a ver com os ataques. Ambos foram presos em flagrante no contexto dos atos, mas respondem em liberdade sob a condição de medidas cautelares.
Na semana passada, o STF absolveu pela primeira vez um dos réus dos ataques de 8/1. Com aval de Moraes, foram 11 votos a 0 a favor de Geraldo Filipe da Silva, que estava em situação de rua no dia dos atos e disse ter se aproximado da praça dos Três Poderes "por pura curiosidade".
O outro morador de rua e o ambulante que a Defensoria também tenta absolver foram denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República), acusados de integrar o núcleo responsável pela execução dos atentados materiais contra as sedes dos três Poderes.
Os argumentos foram aceitos pelos ministros do STF, que transformaram os casos em ações penais.
Foram citados crimes como associação criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado
Elielson dos Santos, 47, é réu primário. A DPU sustenta que ele é vendedor ambulante e descarta que ele seja manifestante ou golpista.
A Defensoria afirmou ao STF que ele vendia bonés, camisetas e água em frente ao acampamento bolsonarista no quartel-general do Exército, em Brasília, onde foi preso em flagrante.
Também disse que ele não estava presente nos ataques e apenas compareceu no dia seguinte para retirar as mercadorias que estavam guardadas na igreja próxima ao quartel desde 7 de janeiro.
Além disso, a DPU afirmou que Elielson "está passando por situação de miserabilidade, como fome", e que há provas de que ele sempre vendeu bonés e bandeiras em semáforo em Brasília.
Em 15 de janeiro deste ano, Moraes enviou um ofício à Defensoria informando que Elielson descumpriu medidas cautelares impostas. O ministro pediu informações sobre o ocorrido, sob risco de pena de decretação imediata da prisão.
A Defensoria respondeu, no dia 8 de março, que teve dificuldades em encontrar o réu, "por se tratar de pessoa humilde, em situação de extrema vulnerabilidade social" e que atualmente nem sequer tem telefone.
Defensores conseguiram falar com terceiros que disseram que encontram o réu diariamente vendendo produtos no semáforo. Eles se dispuseram a solicitar que Elielson entrasse em contato com o órgão.
O réu explicou à Defensoria que é o único responsável pelos cuidados de seus dois filhos menores de idade. Segundo ele, a mãe foi assassinada na Bahia.
De acordo com a Defensoria, Elielson não entendeu que a medida cautelar impõe o seu comparecimento semanal à Vara de Execuções Penais do Distrito Federal.
O órgão também pediu que Moraes homologue o acordo de não persecução penal proposto pela PGR, apesar de o réu "ser inocente das imputações que lhe são dirigidas e de estar sofrendo uma tremenda injustiça", segundo ofício encaminhado ao STF.
O acordo evita o julgamento do caso, mas o investigado precisa confessar o crime, que deve ter pena mínima inferior a quatro anos. O mecanismo, se cumprido a rigor, também evita que o denunciado perca a condição de réu primário.
Já a Procuradoria afirma que Elielson acampou, até o dia 9 de janeiro do ano passado, em frente ao Quartel-General do Exército, "incitando, publicamente, animosidade das Forças Armadas contra os Poderes Constitucionais".
"Ao se dirigir para lá, o denunciado aderiu a essa associação, cujo desiderato era a prática de crimes contra o Estado democrático de Direito", apontou.
O outro caso levantado pela DPU é o de Wagner de Oliveira, 54, sobre quem a Defensoria afirma não haver provas de participação nos atos.
A Defensoria diz se tratar de pessoa em situação de rua, acometido por problemas de saúde física (nanismo) e mental (esquizofrenia). Ele foi preso em flagrante pela Polícia Militar no interior do Palácio do Planalto.
"Lamentavelmente, o réu, representante dos mais desvalidos da sociedade, viu-se enredado em uma trama que não tinha a menor possibilidade de compreender. Nesse contexto, sua condenação por qualquer das condutas descritas na inicial acusatória representaria uma inaceitável revitimização de um indivíduo excluído da sociedade e acometido por problemas de saúde física (nanismo) e mental (esquizofrenia)", diz.
A própria PGR, ao apresentar denúncia contra o homem, afirmou que ele estava "em situação de rua", "podendo ser encontrado" em um endereço na Asa Sul de Brasília.
A Defensoria disse que não foram apresentados vídeo, texto ou foto que demonstrassem ação do acusado no sentido de incentivar ou qualquer intuito de promover um golpe de Estado.
O órgão também disse que "a simplicidade marcante do acusado constrange qualquer tentativa de se imputar as condutas descritas" na acusação.
"O que se está defendendo é a inviabilidade de se emitir um juízo condenatório a um morador de rua que frequentava a concentração de pessoas no QG do Exército com o intuito de obter alimentação digna, algum conforto espiritual nos encontros religiosos e, talvez, a possibilidade de uma viagem para outro estado", disse a DPU.
Também explicou que a situação de vulnerabilidade vivenciada pelo réu, "a par de ser um retrato da triste realidade experimentada por uma parte invisível da sociedade", reflete na dificuldade de sua participação virtual no interrogatório judicial".
A PGR disse que Wagner e outros envolvidos associaram-se, "notadamente a partir de convocações e agregações por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens, com o objetivo de praticar crimes contra o Estado democrático de Direito".
A Procuradoria disse que o denunciado seguiu com o grupo que ingressou no Palácio do Planalto, "empregando violência e com o objetivo declarado de implantar um governo militar e impedir o exercício dos Poderes constitucionais".
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