BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O indicado do presidente Lula (PT) para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), Jorge Messias, tem expressado a senadores uma visão conservadora sobre temas como o aborto para tentar virar votos. Messias também tem indicado aval às emendas parlamentares, principal mecanismo para congressistas enviarem dinheiro federal para obras em suas bases eleitorais.
O postulante ao STF está em campanha para obter apoio e ser aprovado pelo Senado. Ele só assumirá uma vaga na corte se tiver ao menos 41 votos no plenário da Casa. Antes, precisa ser submetido a uma sabatina pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
A sabatina e a votação estavam marcadas para 10 de dezembro, mas foram adiadas. Messias corre o risco de ser rejeitado.
Políticos próximos de Messias ou que tiveram conversas com ele depois da indicação ao STF ser anunciada contam, reservadamente, que o postulante a ministro do Supremo tem posições contrárias ao aborto e ao uso de drogas.
A impressão transmitida pelo escolhido de Lula aos interlocutores é a de que ele não tomaria decisões que flexibilizem as leis sobre esses dois temas.
O posicionamento é importante porque deixa mais confortáveis setores mais conservadores do Congresso, que costumam protestar quando o STF toma decisões liberalizantes nessas áreas. Messias é evangélico e tem em sua identidade religiosa um dos principais argumentos para obter a simpatia de parte da oposição ao governo Lula.
O aborto é permitido em três situações no Brasil: quando a gestação é decorrente de um estupro, quado a vida da mãe está em risco por causa da gravidez ou quando o feto tem anencefalia.
As regras sobre drogas causaram uma controvérsia recente entre Legislativo e Judiciário. O STF fixou em 40 gramas a quantidade mínima de maconha para diferenciar usuário de traficante, e formou maioria para descriminalizar o porte dessa droga para uso pessoal. O movimento irritou setores do Congresso que entendem que esse tipo de regra só poderia ser alterada pelo Legislativo.
Além disso, o indicado do presidente da República costuma dizer a seus interlocutores que, caso se torne ministro, não irá criminalizar a política. Congressistas e dirigentes partidários que ouvem a fala entendem como uma indicação de que Messias não pretende se opor às emendas.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, setores do Senado identificam no indicado de Lula uma ameaça a esse dispositivo. O temor é que ele se torne ministro e se some a Flávio Dino na tomada de decisões que dificultam e questionam o pagamento de emendas.
Tanto a fala sobre criminalização política quanto as posições mais conservadoras afastam a imagem de Messias da de Dino, apesar de o ministro do STF também já ter se colocado contra a flexibilização das regras sobre aborto.
Os processos sobre as emendas transformaram Flávio Dino em um dos ministros do STF mais impopulares entre congressistas. Setores da oposição tentaram colar em Messias a pecha de "novo Dino" para tentar aumentar a rejeição a seu nome.
Dino não declarou apoio ao novo indicado de Lula, diferentemente de outros ministros do STF. O silêncio, observou um integrante o Centrão à reportagem, acabaria ajudando o postulante a integrante da corte.
Além disso, a reportagem apurou que Messias foi questionado por senadores, em reuniões, sobre obras paradas por decisões judiciais, normalmente relacionadas a legislação ambiental, e sobre exploração mineral em terras indígenas.
O indicado classificou a si mesmo como um desenvolvimentista nessas conversas. A indicação é de que não é favorável à paralisação de obras nem totalmente contrário à atividade econômica em território indígena. Nesse último caso, porém, fez a ressalva de que é necessário consultar a população da terra sobre a atividade mineradora.
A Folha de S.Paulo informou a assessoria de imprensa de Messias sobre o teor da reportagem e perguntou se ele gostaria de se manifestar. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Apoiadores de Messias têm argumentado, ao pedir votos a senadores, que, se ele for barrado, Lula provavelmente indicaria outro nome mais à esquerda e difícil de ser rejeitado.
Seria politicamente desgastante para senadores votar contra, por exemplo, a indicação de uma mulher negra que não seja tão próxima do presidente da República quanto Messias, mesmo que ela tenha posições progressistas muito marcadas.
SENADORES CONTRARIADOS
O indicado de Lula encontra um ambiente adverso no Senado. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP) e vários senadores influentes queriam que o indicado para o STF fosse Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A escolha de Lula por Messias em detrimento de Pacheco estremeceu a relação entre governo e Senado, Casa que mais deu apoio ao petista no Legislativo durante o atual mandato.
Alcolumbre cancelou a sabatina prevista para a próxima semana porque o Planalto não havia enviado os documentos necessários para deflagrar o processo de análise pelo Senado. Lula buscava avaliar o ambiente político e postergar o envio até ter certeza de que seu indicado teria os votos necessários.
Com o cancelamento, Alcolumbre retomou o poder para escolher uma data para a sabatina depois que o Planalto remeter a papelada necessária. Nesta quinta-feira (4), o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que a sabatina será feita no ano que vem pois já não haveria tempo hábil neste ano.
Aliados do presidente da República dizem que ele deve procurar Alcolumbre nos próximos dias para conversar e repactuar sua relação com o Senado. O senador tem demonstrado irritação com o caso a seus aliados.
Enquanto isso, Messias continua sua campanha. Na noite de terça (2), horas depois do adiamento da sabatina, encontrou senadores evangélicos, ministros do STF e outros políticos em jantar organizado pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG).
Na manhã de quarta (3), conversou ao menos com os senadores Beto Faro (PT-PA) e Nelsinho Trad (PSD-MS). Também encontrou a bancada feminina do Senado, onde se disse comprometido com o combate ao feminicídio. "Continuo meu trabalho da mesma forma", disse Messias à reportagem em um corredor do Senado.