SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A expectativa do general Augusto Heleno de conseguir passar para a prisão domiciliar é compartilhada pela cúpula do Exército, que durante todo o processo da trama golpista se empenhou para tentar atenuar as punições para o ex-ministro do governo Jair Bolsonaro.

Antes mesmo de Heleno ser condenado a 21 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, a principal Força Armada já defendia, em reuniões com o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, que o general cumprisse a pena em regime domiciliar se fosse considerado culpado.

Com a confirmação da condenação, em setembro, os pedidos, levados a Moraes pelo comandante do Exército, general Tomás Paiva, foram reforçados. Os dois mantêm uma boa relação e se encontraram diversas vezes durante o julgamento.

Pessoas que participaram dessas tratativas apontam, em caráter reservado, que o caso de Heleno foi aquele em que os militares mais se empenharam durante as negociações (termo que ambos os lados evitam usar, afirmando que foram encontros institucionais, para afinar procedimentos em caso de detenção).

Há ritos que são sagrados na caserna, como o de que um militar preso só pode ser conduzido por um oficial de patente no mínimo igual à sua. Por isso que Heleno e Paulo Sérgio, ambos generais de Exército (o topo da carreira) da reserva, foram conduzidos de suas residências às salas onde estão detidos no Comando Militar do Planalto não por policiais federais, mas por dois "quatro estrelas" como eles, mas da ativa -Francisco Humberto Montenegro, chefe do Estado-Maior do Exército, e Luiz Fernando Baganha, chefe do Departamento-Geral do Pessoal da corporação.

Também foi solicitado que os militares presos não recebessem algemas, pedido atendido. Moraes e o general Tomás se entenderam ainda em relação ao local de prisão de Jair Bolsonaro: embora seja oficial do Exército (capitão reformado), o que em tese lhe levaria a cumprir pena em estabelecimento prisional militar, houve concordância de que seria mais adequado levar o ex-presidente a uma sala de Estado-Maior na superintendência da Polícia Federal em Brasília.

Mas o ponto mais sensível para o Exército, e que a princípio não foi contemplado por Moraes, diz respeito à pena de Heleno e sua forma de cumprimento. Reverberando uma demanda generalizada na ativa e na reserva, Tomás se empenhou para que o ex-ministro de Bolsonaro recebesse uma punição menos severa e que ela fosse cumprida em casa, dada a idade (78 anos) e a saúde de Heleno.

Assim como os demais réus do chamado núcleo crucial da trama golpista, o general foi condenado por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Há vídeos da reunião ministerial em que Heleno defendeu que, "se tiver que virar a mesa, é antes das eleições", assim como infiltrar agentes da Abin em campanhas eleitorais.

Nas conversas entre Moraes e Tomás, não foi mencionada a doença de Alzheimer -que, após ser preso, Heleno disse sofrer.

A informação causou espécie, pois Heleno exerceu o cargo de ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) durante os quatro anos do governo Bolsonaro (2019-2022). A considerar a informação passada aos médicos, foi o tempo inteiro um ministro com Alzheimer.

Num segundo momento, a defesa do general informou ao STF que Heleno não disse ter a doença desde 2018 e que tal diagnóstico é de 2025. Segundo seu advogado, a informação inicial decorreu, "possivelmente, de equívoco do perito". Moraes então determinou que PF produza um laudo pericial sobre saúde de Heleno.

Seja como for, a versão corrente na cúpula do Exército é de que Heleno já tinha a saúde debilitada no final do governo Bolsonaro, e o julgamento da trama golpista agravou sua situação física e psicológica.

O ex-chefe do GSI de Bolsonaro goza de uma aura mítica no Exército, sobretudo entre os integrantes da reserva, tanto pelo currículo (é "tríplice coroado", primeiro colocado nas três principais escolas de formação de oficiais) quanto pelo carisma com a tropa (sempre foi uma figura midiática e sem papas na língua).

Um dos generais que entraram para a política na onda bolsonarista, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) vocaliza o sentimento reinante entre seus pares. "O [ex-presidente Fernando] Collor está preso domiciliarmente, e é mais novo que o Heleno. O que vale pra um, deve valer para outro. É uma questão de justiça. Justiça dentro da injustiça, porque foi um julgamento político", afirmou.

Caso seja concedida a Heleno a domiciliar, a decisão será percebida no Exército como mais um gesto de Moraes e do STF às Forças Armadas -instituições definidas pelo ministro como "patrimônio nacional" e às quais ele agradeceu pelo apoio institucional durante o processo.

O primeiro gesto teria sido rejeitar as acusações contra o general Nilton Diniz Rodrigues e o coronel Cleverson Magalhães; o segundo e mais contundente, a absolvição do general Estevam Theophilo, acusado de dar aval aos planos golpistas de Bolsonaro durante uma reunião com o então presidente. Theophilo teve apoio da atual cúpula do Exército e foi defendido publicamente pelos ex-comandantes Freire Gomes e Júlio César Arruda.

O STF sustenta que não se trata de gestos, mas da efetividade ou não das provas.

Segundo um general que acompanhou as tratativas entre o STF e a cúpula militar, Heleno e Paulo Sérgio (outro tido na caserna como injustiçado, uma solidariedade que não se vê no Exército em relação a Braga Netto) seriam condenados de todo jeito, mas acabaram prejudicados por malfeitos de outros como Alexandre Ramagem (que fugiu do país para não ser preso) e Bolsonaro (que tentou violar a tornozeleira eletrônica).

Em meio à expectativa sobre os efeitos do PL da Dosimetria e a decisão do STF em relação a Heleno, o Exército e as coirmãs Marinha (que teve um ex-comandante preso, Almir Garnier) e Aeronáutica buscam emplacar uma agenda positiva para amenizar o dano de imagem provocado pela prisão de militares graúdos por tentativa de golpe. Nesse sentido, tiveram uma ajuda relevante do governo Lula e do Congresso.

Em novembro, o Parlamento aprovou lei que autoriza o Executivo a gastar R$ 30 bilhões com defesa nos próximos seis anos (R$ 5 bilhões por ano) fora do teto. A novidade aliviou as crescentes queixas das Forças Armadas quanto ao orçamento.

Ao mesmo tempo, cada uma das Forças divulgou recentemente que seus projetos estratégicos saíram ou irão sair do papel. A Marinha concluiu a construção de seus submarinos convencionais, finalizando a entrega do terceiro deles (Tonelero) e lançando ao mar o quarto e último (Almirante Karam) e informou que se voltará para o desenvolvimento e a construção do submarino nuclear.

O Exército anunciou que planeja criar duas unidades para operar drones de ataque. E a Aeronáutica realizou com sucesso o primeiro lançamento de um míssil pelo seu novo caça, o sueco Saab Gripen.