Quarta-feira, 20 de maio de 2020, atualizada às 16h37

O impacto da pandemia nos contratos escolares

Artigo

Em tempos de crise sanitária global, ocasionada pela Covid-19 (novo coronavírus), além da tragédia humanitária (chegou na terrível marca de mais de 300 mil mortes no mundo e mais de 15 mil mortes no Brasil), há, também, graves repercussões econômicas (falência de algumas empresas e demissões em massa). No Brasil não poderia ser diferente. Diversos segmentos de prestação de serviços paralisaram suas atividades (academias, instituições de ensino, buffets para festas, concessionárias de locação de veículos, dentre outras).  

Alguns serviços, como os relacionados às instituições de ensino, possuem legislação específica e impactam a vida de parcela significativa da população, logo merecem nossa atenção especial.  

Hoje vamos dedicar algumas linhas para esclarecer questões relacionadas à prestação de serviço educacional (ou a sua ausência).

Algumas escolas e instituições de ensino superior estão em busca de mudanças diante do fato novo e extraordinário: a Covid-19. É preciso destacar que a maioria dos contratos com os estabelecimentos de ensino foram firmados entre as partes antes de se falar em toda essa turbulência, quando muito dos casos eram relatados distantes de nós. 

Primeiro ponto, a crise não é uma licença para se perder toda e qualquer relação jurídica preestabelecida. Segundo ponto, a crise pandêmica é um fato novo para todos, não há culpados, todos somos vítimas, pois todos nós estamos passando pela mesma tempestade em alto-mar, ainda que cada grupo social em seu barco.   

Seguimos, os contratos com as instituições de ensino não são de trato sucessivo, ou seja, que se renovam mês a mês (como podem ser telefonia móvel ou internet), o que traz repercussão diferenciada. No ato da matrícula acordamos uma relação anual, coincidente com o período ou ano letivo (nota 1). O valor a ser pago se refere ao ano todo ou ao semestre, mas a instituição de ensino deve parcelar mensalmente. Nessa perspectiva, a instituição de ensino também fecha seus contratos para ter condições de prestar o serviço, logo, eventuais rescisões em massa podem prejudicar o próprio funcionamento da instituição de ensino.  

Então, nesse caso, por terem sido firmados antes da pandemia, os contratos continuam válidos e eficazes? Posso pedir o cancelamento ou suspensão do contrato? Tenho que pagar multa rescisória?

Um dos pontos que devem ser analisados é se a instituição de ensino continua prestando o serviço com o zelo e com a qualidade contratada, ainda que no método de EAD (ensino à distância) (nota 2). Nesse caso, se não estiver a contento, o consumidor poderá rescindir o contrato sem pagar multa.

Outro ponto que merece explicação, caso o consumidor seja atingido pela crise econômica e perca parte de seus rendimentos, a escola deve considerar a rescisão contratual sem cobrar multa (nota 3). O ideal nesses casos é a busca por uma solução amigável, diretamente entre o consumidor e a instituição de ensino, sem a necessidade de buscar uma solução litigiosa.

Por outro lado, órgãos de defesa do consumidor publicaram orientações dissonantes sobre os contratos escolares. Para citarmos dois exemplos, o Procon-MG assinalou, por meio de Nota Técnica (nota 4), que as escolas privadas deveriam conceder desconto de 29,03% no mês de março e enviar proposta de revisão contratual para todos os consumidores. Já a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), por meio de Nota Técnica (nota 5), recomenda que “consumidores evitem o pedido de desconto de mensalidades a fim de não causar um desarranjo nas escolas que já fizeram sua programação anual, o que poderia até impactar o pagamento de salário de professores, aluguel, entre outros".

Outras medidas legislativas e administrativas foram tomadas, a fim de mitigar o impacto no período letivo. É o caso da Medida Provisória n. 934 de 1 de abril, que estabelece normas excepcionais para o ano letivo corrente da educação básica. A grosso modo a instituição de ensino não precisará cumprir a exigência de 200 dias letivos anualmente.   

Além dos posicionamentos díspares dos órgãos de controle e algumas medidas legislativas, há, pelo menos, 350 propostas (nota 6) em estudo no Congresso Nacional, Assembleias legislativas e câmaras municipais para regulamentar as quebras de contrato no período de pandemia, o que não traz estabilidade, ao contrário, traz ainda mais instabilidade jurídica ante a imprevisibilidade do que pode vir a ser aprovado.  

Afinal, em casos de descontos obrigatórios, sem estudo sobre o impacto econômico nas instituições, quem pagará a conta? Por isso, os pedidos de descontos, pelo fato de o método ser de ensino à distância, devem ser analisados com cautela, já que os custos da instituição ainda permanecem (folha de pagamento de professores e funcionários e aluguel), além de outros custos adicionais (compra de equipamentos e investimento em capacitação para manejar novas tecnologias). O que difere do fato de o ensino ser falho e não ser ministrado com qualidade e zelo, que se espera legitimamente por parte do consumidor. Em casos de má prestação do serviço ou a sua ausência é recomendável que a instituição rescinda o contrato a pedido do consumidor sem o pagamento de multa rescisória.  

Fato é que não estávamos preparados para vivenciar o atual quadro de crise sanitária e suas repercussões econômicas, por isso a miscelânea de soluções criativas e paliativas. O que devemos buscar, nesse momento, são soluções dentro do espírito fraternal, que nos torna uma comunidade. O momento é de maximizar os valores constitucionais (não os lucros) esquecidos como de uma sociedade justa e solidária, onde todos possuem responsabilidade social, pois, do contrário, a crise não mudará nossa sociedade, apenas revelará a sua triste essência.

Artigo escrito por Cássio Cunha de Almeida que é bacharel em Direito pela UFJF, ex-assessor Jurídico do Município de Rio Preto, ex-advogado da Petrobras/SA e Procurador Federal

Os autores dos artigos assumem inteira responsabilidade pelo conteúdo dos textos de sua autoria. A opinião dos autores não necessariamente expressa a linha editorial e a visão do Portal ACESSA.com

1. LEI nº 9.870 de 23/11/1999.
2. Portaria 343 de 17 de março de 2020 do Ministério da Educação autoriza, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação (ensino à distância).
3. CDC, art. 4, I, III, V: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
4. https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/procon-mg-orienta-como-ficam-os-contratosescolares-durante-a-pandemia.htm
5. https://abmes.org.br/arquivos/documentos/SEI_08012.000728_2020_66.pdf.pdf
6. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,crise-faz-disparar-no-pais-projetos-que-preveemquebra-de-contratos,70003305296


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