Plantando sementes
Quando me vi naquela mesma fachada com tijolos aparentes, típica das escolas públicas em que estudei durante toda a minha formação de ensino fundamental e médio, senti-me em casa. E vi que fazia todo o sentido ter aceitado aquele tímido convite da minha querida aluna à época, Diane Andrade. Tratava-se de ministrar uma oficina de jornalismo para os alunos da segunda metade do ensino fundamental, com idade entre 10 e 15 anos, que estavam às voltas com o projeto de confecção da primeira edição de um jornal. Fiquei lisonjeado com a honraria e parti para a escola estadual no município de Vargem Alegre, que fica a uma hora de Caratinga, cidade onde trabalhava naquele período.
Era uma época conturbada e de muito trabalho. Sair naquela manhã representou o adiamento de uma série de compromissos profissionais, mas fiquei entusiasmado em falar de aspectos da formação e do exercício do bom jornalismo. Ainda mais que, por aqueles dias, tramitava a validade do diploma para o exercício da profissão, que veio a culminar na não exigência do canudo, por determinação do Supremo Tribunal Federal, em 2009. Imbuído de um ardor pela profissão, eu me esmerei para fazer o melhor. E acho que a molecada entendeu bem a paixão que envolvia minhas palavras, quando o tema para o qual fui destacado era o fazer jornalístico.
E à medida que discorria sobre as histórias e as particularidades do processo de informação, misturando as pautas, apurações, redações e edições da vida com as festas da primavera, a merenda escolar e outros assuntos que eles se empolgavam em me contar e sugerir, percebi que o "bicho" do jornalismo já havia se manifestado por ali. E foi bacana acompanhar a mobilização dos adolescentes, discutindo os seus temas corriqueiros e extraordinários, a ponto de todo mundo querer falar ao mesmo tempo, de rir e de fazer comentários. Até de tomar pito da professora, eventualmente. Uma grande vitória, perante àqueles que estavam tão quietos e tímidos, quando avistaram o professor de faculdade entrar na escola. E é aí que vem outro ponto que me emociona, o de demonstrar equidade.
Ali, nas dependências daquela escola, eles deixaram de ser alunos e viraram meus colegas de profissão. Um diálogo similar ao que mantinha com minha equipe profissional, diariamente, quando o jornalismo se transformava em negócio e que envolvia dinheiro e compromisso de gente grande. O que quis passar era justamente isso. O senso que motiva a responsabilidade e a participação pode funcionar bem na simulação. É de pequeno que se torce o pepino. E é do carinho com que se cuida do jornal mural da escola, com respeito aos prazos de entrega do material e com a ética na apuração, que vai se levar a escrever páginas de mais responsabilidade. Coisa que muito jornalista, com diploma ou não, deveria se preocupar diariamente.
O menor dos meninos, já no fim do encontro, tímido ali no início da oficina, deu mais sentido a toda satisfação gerada por aquela visita. Tomou a palavra e sentenciou: "quero ser jornalista quando crescer." As sementes lançadas em pouco mais de três horas de conversa já começava a gerar frutos. Rapidamente, como o capim que brota depois da chuva.
E o jornalismo era uma pequena parte das possibilidades de futuro. Quem sabe se aparecessem médicos, advogados, veterinários e outros profissionais, a molecada, carente de boas referências e muitas vezes esquecidas nas pequenas escolas de Minas, não pudessem soltar as asas para outros sonhos e acreditar que o mundo é maior do que somente as fronteiras daquela escola de Vargem Alegre. Oxalá!
PS: E aproveito para agradecer à jornalista Diane Andrade por aquele convite de plantar sementes!
Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais que um Estado. É um estado de espírito. Vargem Alegre pode ser encontrada na latitude 19° 36' 28" S e longitude 42° 17' 52" O
Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.
* Ilustração: Lucí Sallum
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