Juliano Nery Juliano Nery 13/5/2011

Mundo pirata

Fotos de apreensõesSeis mil litros de cachaça irregulares, 270 quilos de alimentos não inspecionados, 680 pares de tênis falsificados, 8.110 maços de cigarro... Ah, o mundo paralelo da clandestinidade, dando o ar da sua graça na Zona da Mata, neste mês de maio. Se juntarmos, este montante aos outros itens que não possuem nota fiscal, mas, que vemos circulando por aí, em nosso cotidiano, daria para inaugurar um novo planeta, um mundo inteiramente pirata. Posso garantir que de fome, de frio e até de falta de "grife" com uma letra a mais (ou a menos) ninguém morreria. É verdade que a ressaca do uísque 12 anos paraguaio não iria ser fácil. Só de pensar, minha cabeça já se põe a doer. No entanto, o fenômeno chama a atenção, tão comum tornou-se o mercado de cópias, irregulares, alternativos e similares...

Quem quer andar na moda? Quem quer ouvir a última canção da banda sertaneja do momento? Quem quer aquele par de tênis dos atletas do basquete norte-americano? — Se a resposta for um "sim" e a carteira estiver quase vazia, a solução é comprar os genéricos. "Mas eles são irregulares, Juliano Nery!", ao que direi, "Eu sei". Não estou fazendo juízo de valor, se é certo ou se é errado comprar um produto pirata. Estou apenas constatando a forma como se convencionou a pensar em nosso país. Atire a primeira pedra, quem nunca utilizou um programa de computador falsificado, com registro de autenticação extraído na web em alguma página de hacker. Isso sem contar a utilização da banda larga alheia...

O que quero dizer, portanto, refere-se a outro ponto da questão, ligado à noção de consumo. A verdade é que todos nós, queremos consumir. Seja um tênis chamado Nike ou um ali da esquina, chamado, "Like", que se parece muito com aquele que eu "gosto", desculpando aí, o meu trocadilho português-inglês. O importante é satisfazer o ímpeto da vontade de poder ter algo. Quem não tem cão, caça com gato, já enunciava a sabedoria popular.

E, já que há gente que consome, existe gente que produz também. E como produz, sabe-se lá! O fato é que, seja para ganhar algum como atravessador de mercadoria ou como contrabandista, existe gente disposta (ou sem opção) a arcar com o risco de uma carga apreendida. E tem ainda o vovô da Zona Rural, que faz aquele queijinho artesanal, sem o menor compromisso com os trâmites da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mas que quer aproveitar o leite em abundância disponível na fazenda. Sempre na torcida para que ninguém passe mal, sempre na torcida para que a carga chegue ao consumidor. Sempre fora da lei.

No fundo, tudo isso pode estar ligado ao excesso. Tanto o exagero em se querer consumir, como o em se querer criar necessidades para se vender para a população. As irregularidades acabam acompanhando esta abundância. Mas, como lidar com tanto excesso? — Difícil, muito difícil, já que até o governo contribui com o excesso de impostos, por exemplo. Com uma carga tributária de fazer inveja a qualquer estado-nação, o Brasil arrecada uma baba nas transações financeiras nossas de cada dia...

E neste planeta pirata não faltará serviço para a Secretaria de Atividades Urbanas, responsável por notificar o que vê de errado por aí, em nossa cidade. Pode ser cachaça, pode ser cigarro, pode ser roupa, podem ser artigos eletrônicos. E muito mais. Tanto que o órgão deveria, inclusive, mudar de nome: Secretaria de Mundo Paralelo.

Juliano Nery não é uma figura tão importante. Jamais foi pirateado.

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Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.


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