Celebrando a diversidade com reverência

Por: Elisa Rodrigues* 13/05/2015

Como seria a vida se todos fôssemos absolutamente iguais? Em certo sentido, somos iguais: somos humanos, temos cabeça, braços, mãos, pernas, pés e tantos outros atributos iguais. Mas, a despeito dessa igualdade, nossos corpos funcionam de modos diferentes. Às vezes, com limitações, outras, com destreza. Isso nos faz diferentes. Se tomarmos a imagem do corpo como metáfora para sociedade, podemos afirmar que constituímos um organismo social e, a fim de que esse organismo social funcione plenamente, cada uma das suas partes deve exercer bem a sua função, mas segundo suas próprias especificidades. Dependemos uns dos outros, mas temos nossos lugares e limitações. Somos iguais e ao mesmo tempo diferentes.

Esse entendimento que parece simples nem sempre é tão facilmente acatado. Em geral, as pessoas possuem dificuldade de lidar com as diferenças, por vários motivos. A diferença, às vezes, ameaça o que se entende por normal e equilibrado. Teme-se que a diferença possa colocar em risco aquilo que funciona bem, há tanto tempo e de forma suficiente. Por isso, tanto esforço pela unanimidade, pela normalização e pela ordem: para que tudo esteja "sob controle", razão pela qual nossas instituições se preocupam tanto em disciplinar os corpos.

Incrível é que na primeira infância, as crianças não estão tão preocupadas em classificar as coisas em ordens e colocá-las em lugares. Elas querem conhecer o mundo. Querem ouvi-lo, vê-lo, percebê-lo. A construção de classes começa, pois, com a admiração dos ouvidos e dos olhos e, depois, com as perguntas. Curiosas, criativas e livres, à medida que crescem as crianças perdem essa espontaneidade ao desenvolver as faculdades de pensamento que lhes permitem ordenar em "caixinhas" tudo o que aprendem no desenrolar da vida. Nós adultos passamos por isso outrora. Nós adultos repomos esses esquemas em nossas escolas, porque entendemos que estando tudo "sob controle", o corpo social funcionaria bem. E, com isso, o corpo vai ficando a cada dia mais enrijecido, mais atrofiado, mais disciplinado e mais adequado ao meio social. Consequentemente, menos desperto, menos criativo e menos sensível ao belo. O que tem isso a ver com diversidade?

Simples. Se perdemos a espontaneidade à medida que somos socializados é porque no ambiente escolar há mais preocupação com disciplina do que com sensibilidade. As escolas na qualidade de instituições assumem o compromisso de ensinar para nossas crianças as classes, as ordens e os lugares certos para cada coisa. Mas não lhe dão oportunidade para seguirem admirando o belo e ouvindo o outro. Por isso, ainda com seis anos de idade, elas são colocadas dentro de salas de aulas fechadas, sentadas em carteiras enfileiradas e uniformizadas. Aos poucos, elas deixam de se ver. Durante os anos iniciais, a escola parece se esforçar para que as diferenças entre as pessoas sejam subsumidas, em favor da uniformização. É como se ser diferente, vestir diferente, ter cabelo diferente ou costumes e crenças diferentes pudessem afetar o processo de ensino-aprendizagem. Entrementes, o que essa pedagogia da uniformização faz enquanto socializa os indivíduos é paulatinamente fomentar a noção de que para se viver bem, as pessoas devem ser iguais em tudo e se encaixar em certos padrões. Ora, o problema disso é que tanto esforço pela unanimidade acaba por solapar as diversidades e, gradualmente, leva-nos a estranhá-la ao ponto de não querê-la mais em nosso meio.

Mas, se ao contrário disso, nós adultos – nas escolas, nas associações de bairro, nas igrejas, nos clubes etc. –, conseguíssemos manter a admiração e a curiosidade pelas diversidades? Se ao invés de dirimi-las, conseguíssemos respeitá-las?

Então, ao invés da uniformização poderíamos celebrar as diversidades e valorizar mais o que nos faz diferentes, do que aquilo que nos faz iguais: a espontaneidade das nossas peles, dos nossos olhos, dos nossos cabelos, dos nossos gostos, das nossas religiões e de nossas preferências. De repente tanta diferença seria um novo tipo de ordem e não ameaça. Um estímulo à capacidade de admirar desde as coisas mais simples da vida, até as mais diferentes. Isso seria lúdico! A inversão do "divertir" mais e "tolher" menos, do "brincar" mais e "proibir" menos. Uma revolução e tanto! Tão possível, porque tão próxima de nós. Bastaria re-aprender com as crianças a simplesmente admirar o outro, como ele é e não como gostaríamos que fosse. Isso se chama reverência: da atitude de respeito, de atenção, de acatamento. É algo como a aceitação pacífica e benévola de algo que se revela para nós. O outro. Em toda a sua grandeza e especificidade.

Diante o desenvolvimento de nossos pequenos e pequenas, quantas vezes paramos para simplesmente reverenciar o presente que eles são? Desaprendemos admirar e ouvir o outro. A gratuidade de podermos reaprender a admirar o belo, o grande e o infinito das coisas que não sabemos...

Por fim, não precisamos ser religiosos para saber que essa atitude de reverência é positiva, a fim de que nossa atitude diante o outro, mesmo que diferente de nós, seja de respeito. Uma atitude tão saudável, que quanto mais ampliada, mais bem causaria a toda a sociedade. Se fôssemos todos iguais, possivelmente, não discordaríamos sobre tantas questões e teríamos as mesmas respostas para resolver nossos problemas. Mas, certamente, a vida seria bem mais sem graça. E como disse o educador e poeta:

"Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também". Rubem Alves.


*Professora do Departamento de Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Coordenadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), subprojeto Ensino Religioso

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