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De Bar em Bar

"T?o desagrad?vel quanto tomar um bonde
errado ? entrar num bar errado"

"O bar ? a primeira inst?ncia
da causa do homem"

S?o frases extra?das da mem?ria, cujos autores se perderam na mesma - n?o por amn?sia alco?lica, mas pelo longo distanciamento do dia em que as li ou ouvi.

As duas servem de ep?grafe ao que segue.

Usados com responsabilidade, os bares podem ser considerados uma extens?o do lar, onde amizades se fortalecem, os encontros se fazem mais alegres, as id?ias se tornam mais inteligentes e as controv?rsias, mais acaloradas - sendo que todas as afirma?es podem perfeitamente corresponder o contr?rio, dependendo do car?ter e fraqueza de cada um ao encarar a pr?xima rodada de chope ou copo de vinho ou dose de uisque ou de cacha?a ou do drinque que melhor lhe aprouver.

Em JF, s?o precisamente 327, somadas as casas relacionadas no Guiatel 2005 como "bares" (135) ou "bares-restaurantes" (192) - um para cada dia (ou noite) do ano, se o fregu?s quiser variar. Sobram 38 dias (ou noites) para aqueles que merecerem um bis, ou para um descanso ao f?gado, recolhido ao lar propriamente dito.

Que n?o se interprete essas contas como um est?mulo ao consumo desbragado de ?lcool, mas como uma caracter?stica de uma cidade com quase meio milh?o de habitantes, que deve estar alguns furos acima da m?dia de outras cidades do mesmo porte.

Juiz de Fora ? considerada campe? no quesito "servi?os de bar" na constata??o de visitantes que aqui desembarcam, trazidos por motivos v?rios - neg?cios, visitas familiares ou a amigos, etc. ? e emborcam na noite. O grande cronista Jos? Carlos Oliveira, l? pelos anos 70, veio aqui para o lan?amento de um de seus livros, e escreveu em sua coluna no Jornal do Brasil, que viu "o maior ?ndice de bares por metro quadrado que ele j? conhecera". E olhe que Carlinhos Oliveira era bastante viajado e freq?entador de bares como poucos. Em Paris, Madri e Barcelona enfrentou uma maratona para conhecer um a um os preferidos de Ernest Hemingway, e fez quest?o de ser fotografado ao lado das placas que lembram a presen?a do escritor na mesa preferida.

Carlinhos tinha mesa e cadeira cativas no Antonio?s, no Leblon, ponto de encontro da inteligentzia carioca, at? fechar as portas, no in?cio dos anos 90. L?, escrevia suas cr?nicas, batucandoa-as numa Olivetti port?til, que o dono da casa, o espanhol Manolo, guardava em meio aos utens?lios da casa. Muitas ajudaram a celebrizar o Antonio?s.

N?o era raro adentrar seu recinto e dar de cara com Tom Jobim, Otto Lara Resende, Jos? Bonif?cio Sobrinho, o Boni todo poderoso da Rede Globo, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes, Nana Caymmi, o poeta Ferreira Gullar, Chico Buarque de Holanda, os jornalistas Z?zimo Barrozo do Amaral, Zuenir Ventura, e por a? vai - al?m, ? claro, dos b?bados an?nimos ?ntimos da casa. N?o que todos se sentassem ? mesma mesa. Mesmo porque n?o caberiam. Cada um na sua, era ali no Ant?nio?s que eles se inspiravam para a vida l? fora, bebendo n?o s? u?sque e vinho como tamb?m da sabedoria dos companheiros de copo. Quando tinham de dar o endere?o, por alguma eventualidade, a resposta na ponta da l?ngua, era comum: o dom?stico, o profissional ou o bo?mio?

Uma historieta para ilustrar o comportamento dos freq?entadores do Antonio?s em rela??o aos estrangeiros que invadiam o seu habitat:

Em 1968, Mike Jagger (j? era conhecido, mas n?o uma figurinha carimbada), em lua-de-mel com Marianne Faithfull, foram levados ao Antonio?s ? ele com um chapel?o de abas desabando sobre os ombros, e uma cal?a florida, no melhor estilo hippie, que come?ava a desabrochar. Era noitinha, e o bar estava lotado. Quando entraram, os profissionais do copo logo come?aram os risinhos e gracejos. Um deles, mais extravagante, perguntou de modo que todos ouvissem, se onde Mike Jagger havia comprado a cal?a havia para homem. O l?der dos Rolling Stones ouviu a tradu??o encabulada do seu acompanhante, o jornalista Carlos Leonam, e respondeu, de maneira simp?tica, que um dia todos ainda iriam se vestir como ele. Um outro se levantou, tirou-lhe o chapel?o da cabe?a, que passou a voar de um lado ao outro, at? que o fot?grafo David Drew Zingg interrompeu a brincadeira, entregou-o ao dono e com uma rever?ncia ao casal declarou:
- I apologize for Rio (Pe?o-lhes desculpas pelo Rio).

E tudo voltou ? paz no bar. O casal ficou mais um pouco e se retirou sob aplauso dos fregueses.

O Antonio?s mereceu um livro e ser? sempre lembrado como O Bar (com mai?sculas) de uma gera??o de intelectuais cariocas - no registro de nascimento ou por ado??o -, muitos j? mortos, que deixaram seus nomes registrados na Hist?ria do Rio, contada nas ?ltimas quatro d?cadas.

* * *

Bar bom ? aquele que os freq?entadores habituais defendem com o mesmo fervor com que se batem pelos seus times de futebol, e encaram os estranhos com certa ponta de desconfian?a, quando n?o com hostilidade, como o epis?dio envolvendo Mike Jagger.

Ainda no Rio, outro exemplo que refor?am os dos ep?grafes est? na rivalidade declarada entre os fregueses do Jobi e os do Bracarense, fortes refer?ncias da vida alegre no Leblon. Ai de quem declarar que o Jobi ? o melhor na frente do Mauricio Rizzo, engenheiro, nascido em JF, radicado h? anos no Rio, com cadeira cativa no Bracarense. Corre o risco de levar uma empada na testa. O mesmo ocorrer? se a provoca??o for dirigida a um habitu? do Jobi, o ator Roberto Bonfim, por exemplo.

* * *
Mas voltemos a JF e aos seus endere?os et?licos. ? claro, que dos 327 bares ou bares-restaurantes, apenas uns poucos, digamos menos de vinte, mereceriam receber uma visita de Mike Jagger ou de Carlinhos Oliveira ou de um dos personagens do Antonio?s lembrados acima.

Fosse eu o cicerone de um deles, o primeiro escolhido seria o Bar do L?o, na Pra?a Armando Toschi, Ministrinho, por ser o mais atraente pela originalidade. ("Abro parentese...")

* * *

Feito o esclarecimento (para ler voc? deve clicar no link: "Abro parenteses..."), vamos ao Bar do L?o, um para?so para quem quer dist?ncia de bares apinhados de gente berrando, m?sica alta, geralmente na contram?o de seu gosto. Ao ar livre, trata-se de bar sem igual, sob ?rvores, onde habitam fam?lias de miquinhos e se pode ouvir o canto de p?ssaros e a luz solar filtrada pela copa de imensas ?rvores.

A grande virtude do Bar do L?o - ? parte a cerveja sempre na temperatura ideal, e os petiscos, com destaque para os past?is e a carne cozida ou seca -, ? a sensa??o de paz que rodeia os freq?entadores, permitindo a todos conversa em tom de voz moderado, sem a interfer?ncia de sonoridades indesej?veis, impostas, por exemplo, pelos prepotentes donos de carros aparelhados com amplificadores de sons capazes de alturas inconceb?veis nos espa?os p?blicos (como ocorre, comumente, no Bar do Bigode, por exemplo, outro famoso point de beberagem). Ali, na Pra?a Ministrinho, ai de quem ousar estacionar seu carro nas proximidades e espalhar suas m?sicas - eles chamam de m?sica aquela batida de estaca - que martirizam quem n?o est? disposto a apreciar e ouvir o exibicionismo barato. Ser? escorra?ado dali debaixo de vaias.

Entretanto, para n?o dizer que tudo s?o flores na Pra?a Ministrinho, fica o alerta: ela est? necesitando urgentemente de cuidados em seus canteiros e jardins. H? quem defenda a tese de que se o Bar do L?o ? quem mais se beneficia com o espa?o p?blico da pracinha, que ele divida com o ?rg?o da prefeitura encarregado de conserva??o dos parques a responsabilidade pelo tratamento adequado e prote??o ?s plantas, flores e ?rvores que ali viscejam.

Est? posta a quest?o ? mesa. ? s? trazer a cervejinha gelada para que eles encontrem a solu??o num clima amig?vel para o bem de todos - bebuns ou n?o.

* * *

De modo que ? no Bar do L?o, na Pra?a Armando Toschi, Ministrinho (? sempre bom repetir), que eu come?aria ciceroneando um visitante ilustre, com a certeza de que ele se fartaria com os comes-e-bebes, se deslumbraria com o cen?rio natural, agradeceria a gentileza e simpatia dos atendentes e se alegraria com os pre?os honestos na hora de acertar a conta.

Pr?ximas paradas, na pr?xima cr?nica: Bar do Futrica, Bar do Bigode, Churrasqueira, Bar da F?brica e Esta??o Grill. Hic!